Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

De Troyjo a Rousseff à frente do banco do Brics, uma análise sobre questões de gênero e imprensa

(Foto: Divulgação New Develop Bank)

Na última sexta-feira (24), a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi oficializada no comando do New Development Bank (NDB) – o Novo Banco do Desenvolvimento (NBD) -, instituição de operação multilateral conhecida como o “banco do Brics”, bloco econômico formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 

Em nota, o banco destacou que, durante sua passagem pelo Palácio do Planalto, Dilma “concentrou sua agenda em garantir a estabilidade econômica e a geração de empregos”, além de ter trabalhado no “resultado de um dos mais amplos processos de redução da pobreza da história do país”: o Brasil foi retirado do Mapa da Fome em 2014, relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Entretanto, na imprensa, pouco se falou sobre as qualificações que Rousseff possui para estar à frente do novo cargo. Houve poucas informações sobre as atribuições do posto, além do pouco espaço para discutir a relevância da instituição na atual ordem econômica global. Veículos empreenderam críticas cabíveis à condução da política econômica em seus cinco anos de governo, mas o tom machista configurado em uma atenção midiática desproporcional – naturalmente esperada – em relação à cobertura da posse de seu antecessor são dignos de análise.

No UOL, por exemplo, foi destacado que a petista, em seu novo cargo, “deve ganhar cerca de US$ 500 mil (R$ 2,6 milhões) por ano à frente da instituição, equivalente ao valor pago pelo Banco Mundial”. Além disso, a matéria destaca que “o banco oferece aos empregados uma série de benefícios, como assistência médica, educacional para filhos, auxílio viagem para o país de origem, subsídios para mudança em caso de contratação e desligamento, e transporte aéreo”. CNN, Terra e Valor optaram pela mesma angulação com maior destaque. 

“O secretário especial de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, foi eleito presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul”, destacou o Estadão, em 27 de maio de 2020, sobre a posse do agora antecessor à petista.

No texto, não houve nenhuma informação sobre o seu salário na nova instituição, apenas um breve resumo de seu currículo e uma explanação sobre o fato de ser o segundo brasileiro a presidir a entidade. Já no caso de Dilma Rousseff, o Estadão ofereceu uma justa crítica à nota do NDB que recepciona a petista à frente da instituição: “Banco dos BRICs anuncia Dilma sem falar de impeachment e diz que ela buscou estabilidade na economia”.

Especulações sobre a angulação são necessárias, com o retrospecto de indicadores econômicos da gestão da petista. Em 2015, último ano em que o País foi governado inteiramente por Dilma, a inflação alcançou a taxa de 10,6% – o maior número acumulado desde 2002 (12,5%), e o desemprego chegou ao patamar de 9,6%, o maior desde 2004.

A construção de uma notícia implica, num certo modo, em subjetividade e ideologia. Ao fazê-la, o UOL e seus pares optaram por uma lógica mercadológica, o “caça-cliques”, sobretudo em meio a uma realidade socioeconômica desafiadora e desigual. Afinal, somos ou não o país que lida com mais de 30 milhões de pessoas que passam fome diariamente? Quando algum veículo opta por destacar a remuneração e assistências que Rousseff vai receber em seu novo posto, a despeito de maior contextualização, o faz consciente para instigar uma indignação ao leitor e também enseja que o visualizador da notícia compartilhe o conteúdo e o sentimento.

Entre seus feitos positivos, não relembram que, além de ter sido a primeira mulher a comandar o Brasil, agora a petista repete a façanha do pioneirismo à frente de uma importante instituição financeira global. As crises política e econômica mencionadas acima são atribuídas por seus defensores à Operação Lava-Jato e a oposição virulenta do presidente da Câmara dos Deputados à época, Eduardo Cunha, e foram determinantes para o seu afastamento após um controverso e turbulento processo de impeachment em 2016. Se atermo-nos ao olhar cuidadoso que as redações devem apurar sobre as questões de gênero em todas as suas pautas, precisamos evocá-lo nessa cobertura específica.

No dia seguinte à posse de Troyjo, 28 de maio de 2020, o Valor destacou os planos de Troyjo para a instituição: “abrir o capital e ampliar o número de sócios, expandir os instrumentos de financiamento e dar mais visibilidade à instituição na cena internacional”. Pressa semelhante ainda não houve entre o Valor e os demais veículos de imprensa para obter de Dilma Rousseff informações e diretrizes de sua gestão à frente do NDB, nem mesmo entre seus interlocutores. 

Coube ao Deutsche Welle Brasil destacar uma cobertura mais aprofundada. Diz o veículo que a eleição atribui à petista um “resgate de prestígio político, que, à frente da instituição, vai ter o desafio de lidar com a questão russa”. A reportagem ainda ressalta o perfil e as atividades do banco, um breve histórico da relação entre os países componentes, a forma com que se deu a escolha pela ex-presidente no conselho de governadores e as expectativas da nova gestão.

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Lucas de Andrade é aluno do curso de Jornalismo da UFRRJ. O conteúdo expresso no texto reflete unicamente a opinião do autor.