
(Foto: Arquivo pessoal)
A importância do Rio Grande do Sul para o movimento operário e anarquista brasileiro pode ser evidenciado pela quantidade de impressos produzidos como instrumento de divulgação aos trabalhadores locais, no período do final do século XIX e XX.
Por ser uma cidade fronteiriça com o Uruguai, muitos trabalhadores de Bagé tiveram contato com ideias socialistas e anarquistas a partir de impressos que serviam como espaço para difusão de ideias; instrumento de conscientização social e como ferramentas educacionais. A força desses impressos galvanizando trabalhadores possibilitou que, nas primeiras décadas do século passado, Bagé fosse uma referência no Estado e no país para o anarquismo e o movimento operário, como na terceira edição do Congresso Operário do Rio Grande do Sul, em setembro de 1925. Corrêa (2016) detalha ainda que Bagé, pela sua relevância em discussões sobre o movimento anarquista e operário, passa a ser sede da Forgs (Federação Operária do Rio Grande do Sul) no ano de 1928, quando os simpatizantes anarquistas transformam a entidade, com diretrizes de cunho socialista, em uma representação voltada para os princípios do anarquismo ou do anarco-sindicalismo.
Por ser uma das bases gaúchas e brasileiras de ideias operárias e anarquistas, a cidade de Bagé se notabiliza pela diversidade de impressos que eram produzidos como forma de mobilizar os trabalhadores a lutarem por seus direitos, bem como também para impulsionar o próprio movimento.
Em contato deste jornalista com o pesquisador Leandro da Silva (2011), que também estuda o movimento operário e anarquista de Bagé, foi apontado que a cidade teve entre o começo do século XX até a década de 1940 quase 20 impressos produzidos com essas diretrizes editoriais. O pesquisador destacou que Bagé é considerado um fenômeno pela resistência mantida durante mais de quarenta anos, tendo enfrentado períodos de repressão política, como nos governos de Washington Luís (1926-1930) e Getúlio Vargas (1930-1945), com um grande fluxo de troca de informações com simpatizantes do movimento anarquista no Rio de Janeiro, sendo reconhecido como uma das principais vozes da doutrina o bageense Venâncio Pastorini, morto em 1966.
Dessa forma, conforme Silva (2011), foram identificados os seguintes impressos operários e anarquistas produzidos em Bagé: “A Evolução”, criado em 1902, de linha anarquista; “A Evolução”, de 1907, como jornal operário; “La Noticia”, criado em 1910, de linha anarquista; “A Defesa”, 1910, voltado ao anarquismo; “O Trabalho”, de 1913, de linha editorial operária; “O Pharol” – jornal da União Operária, entidade associativa de relevância na cidade de Bagé, porém sem identificação editorial se era de cunho anarquista (Sindicalista Revolucionária) ou Social-Democrata. O alto da fachada da sede da União Operária foi tombada como patrimônio histórico-arquitetônico da cidade de Bagé, situada em frente à antiga sede da Estação Ferroviária; hoje sede da Administração Municipal. Também foram identificados “A Dor Humana”, folha criada em 1919, com tendência anarquista, sendo um impresso da União Geral dos Trabalhadores; “Solidariedade Obreira”, produzido em 1920 como impresso do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil; “Nossa Voz”, de 1923, de linha anarquista; “A Voz Humana”, também de 1923 e de doutrina anarquista; “A Revolta”, publicado em 1925 como jornal do movimento operário local; “Tribuna Livre”, criado em 1926 de linha editorial anarquista; “O Confessado”, impresso criado em 1926 e produzido por maçons liberais positivistas em parceria com anarquistas. O impresso era voltado a uma linha editorial anticlerical; “Emancipação”, jornal anarquista produzido em 1928; “O Boato”, jornal também produzido de 1928, de tendência próxima às discussões do operariado local; “Pente Fino”, impresso de 1937 que divulgava as ideias de quatro sociedades operárias de Bagé; “Eco Padeiral”, jornal produzido pelo Sindicato dos Padeiros de Bagé, em 1940, e o “Novo Dealbar”, esse de linha editorial anarquista, sendo publicado no ano de 1946.
Muitos desses jornais estão armazenados em um espaço para a história da imprensa bageense localizado no Museu Dom Diogo de Souza, serviço mantido pela Fundação Átila Taborda, da Universidade da Região da Campanha, de Bagé.
O uso de jornais como fonte para pesquisas em história é enfatizado por pesquisadoras como Tânia de Luca. No texto “História dos, nos e por meio dos periódicos” (2011), a autora salienta a importância dos estudos na historiografia local sobre o movimento operário brasileiro, em especial nos anos 70, quando muitos autores trouxeram uma observação para além da consulta em fontes da imprensa comercial.
Portanto, quando da análise desses impressos como fonte para pesquisa em História, folhas que não sejam de âmbito comercial por exemplo, proporciona ao pesquisador não só compreender um outro desenho da sociedade naquele contexto político e social, em especial a de Bagé e dos trabalhadores no começo do século XX, mas também obter uma ampla gama de aspectos para enriquecer os estudos sobre esse modelo de imprensa.
Aspectos que permitem verificar os interesses na produção discursiva dos jornais anarquistas e operários ao alcance da veiculação de suas ideias em ação e resistência de um movimento que, além de buscar a propagação de informações, também servia como instrumento de luta contra a perseguição dos governos da época, bem como das elites dominantes – no caso de Bagé, setores como o agropecuário, o religioso e o militar.
Dessa forma, a pesquisa e a utilização desses impressos anarquistas e operários, principalmente quando se tem como objeto de análise a produção desses jornais em cidades do interior do Brasil, permite uma compreensão de como as disputas ideológicas se davam fora dos grandes centros do país. Assim, é possível verificar o quanto a imprensa não comercial pode referendar a luta ideológica ao longo da história do Brasil, para comunidades menores, bem como permitir novas ferramentas de ensino da História, tendo o uso de impressos alternativos, e de movimentos de minorias, como forma de referendar a importância de tais grupos no contexto social de cada época.
Referências bibliográficas
CORRÊA, Anderson Romário Pereira. Sindicalismo revolucionário e Anarco-sindicalismo: um estudo dos congressos operários no Rio Grande do Sul (1898-1928). Estudios Históricos, Uruguay, año VIII, n. 17, dic. 2016. Disponível em: http://www.estudioshistoricos.org/17/eh1712.pdf. Acesso em: 10 de março de 2025.
SILVA, Leandro Paz da. A presença da educação socialista libertária nos impressos e jornais na cidade de Bagé no período da Primeira República. Resumo. Universidade Federal do Pampa, Unipampa. Bagé, 2011.
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Livro Fontes Históricas. 3 ed. São Paulo: Editora Contexto, 2011.
***
Marcelo Pimenta e Silva é jornalista. Pesquisador. Tem como enfoque pesquisa sobre história da imprensa; imprensa e movimentos sociais; ditadura civil-militar e movimentos sociais; e imprensa e contracultura.