Monday, 09 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1304

Noticiário econômico: perdidos na selva financeira

(Foto: Gerd Altmann por Pixabay)

Tentar se informar sobre economia virou a mais desafiadora e frustrante missão a que pode se dedicar hoje um leitor comum na imprensa brasileira. Dólar, ajuste fiscal, corte de gastos públicos, desequilíbrio orçamentário, taxa de juros e déficit zero são temas que congestionam as primeiras páginas de jornais, chamadas de telejornais e pipocam freneticamente nas redes sociais. São questões que geram angústia e incertezas na hora de aplicar economias e um desafio enorme para o jornalismo preocupado em simplificar temas complicados para facilitar a compreensão pelo público.

A complexidade do mercado de capitais é parte estrutural do jogo de investimentos e fator chave nas estratégias de comunicação dos operadores de bolsas de valores, grandes bancos e consultorias de investimentos de risco. Das dez principais fontes de notícias econômicas no Brasil, seis são controladas por organizações do mercado financeiro, segundo uma reportagem da revista digital Piauí, publicada no final do ano passado. São estas empresas que servem de fonte e referência para a totalidade dos jornais, telejornais, revistas e sites jornalísticos no país. A lógica destas organizações não é a da informação como bem público, mas a do ganho financeiro, compartilhado com investidores interessados apenas em dividendos.

A fonte de informações econômicas mais consultada no país é a publicação Infomoney, da empresa XP Investimentos e que teria hoje mais de 40 milhões de visitas mensais de usuários da internet. A segunda fonte mais consultada é a revista Exame, controlada pelo BTG Investimentos, mas com menos da metade das visitas mensais do Infomoney. O terceiro lugar no ranking dos influenciadores empresariais no ambiente econômico brasileiro é a Money Times, também controlada por uma grande corretora, a Empiricus, vinculada ao BTG.

Somando o público das três maiores financeiras nacionais, chega-se a um total aproximado de 65 milhões de consultas mensais por indivíduos interessados em saber para onde vai a economia tupiniquim e como administrar a poupança individual. Trata-se de um formidável poder de influência sobre as decisões econômicas alheias, num ambiente em que as pessoas comuns não têm alternativas senão confiar nas informações disseminadas por publicações supostamente jornalísticas, ou seja, vistas como isentas e sem interesses próprios.

Caixa preta do dinheiro

Este pequeno grupo de empresas, que controlam o fluxo de informações na área econômica, expande agora seu campo de ação para o segmento dos influenciadores digitais, o seu poder de incidência na agenda financeira da mídia. Trata-se de um “exército” informal de conselheiros que se nutrem dos dados e fatos fornecidos por Infomoney, Exame e Money Times para influenciar milhões de seguidores digitais. Em novembro de 2023, uma pesquisa feita pela Anbima mostrou que existem atualmente 515 influenciadores digitais especializados em questões financeiras com uma audiência global de 176,3 milhões de pessoas. A pesquisa também mostrou que, deste total, 249 influenciadores (48,3% do total) têm algum tipo de relação com as cinco maiores empresas do mercado financeiro. Ainda segundo a Anbima, entre 2020 e 2023, o número de influenciadores financeiros na internet cresceu 140%, a maioria focando no mercado de ações.

O mercado financeiro nacional e internacional se transformou numa caixa preta diante da qual você é levado a aceitar as regras do sistema sem poder questioná-las. Assumiu também uma enigmática personalidade informativa chamada ‘mercado’, frequentadora diária do noticiário sobre indicadores econômicos. Entender o funcionamento desta ‘caixa preta’ é quase impossível para um leigo porque o mercado de dinheiro fica cada dia mais sofisticado e complexo graças à multiplicação constante de novas modalidades de investimentos, com destaque aos controvertidos derivativos. A universalização da internet intensificou a diversificação dos derivativos, num processo que tende a se tornar simplesmente incontrolável com a inteligência artificial.

Conflito cognitivo

O que a maioria esmagadora das pessoas não consegue entender é o fato de que a diversificação frenética do mercado de opções de investimentos tem como base o endividamento de governos, um processo que se tornou crônico e essencial no financiamento de obras públicas a partir da II Guerra Mundial. São papéis do governo, como por exemplo o Tesouro Direto, que alimentam a ciranda dos investimentos no mercado financeiro. Segundo a UNCTAD, um órgão da ONU, a soma dos títulos emitidos por governos e empréstimos oficiais tomados junto a instituições financeiras, chegou a 97 trilhões de dólares, um recorde histórico, quase duas vezes maior do que o total registrado em 2010. O Japão é o país mais endividado por habitante. Os Estados Unidos estão em oitavo lugar e o Brasil em 58º.

Os juros pagos pelos governos para rolar a dívida contraída pela emissão de títulos determinam a taxa de juros a ser paga aos compradores de títulos oficiais. Quando os juros sobem, por decisão do Banco Central, os investidores e as financeiras ganham, enquanto os governos perdem, ou seja, ficam com menos dinheiro para financiar aposentadorias, saúde, educação, obras públicas e salários. Mas o “mercado” definiu que a taxa de juros é determinada pela inflação e pelo dólar, outra relação que acabou se tornando um corolário econômico que 99% dos brasileiros não entendem, mas foram levados a aceitar por conta do noticiário econômico.

Não vamos discutir aqui erros ou acertos nas estratégias dos principais agentes do ‘mercado”. O que interessa destacar é o conflito cognitivo vivido por uma enorme parcela do público e causado pela contradição entre a crescente complexidade das finanças contemporâneas e a norma jornalística de simplificar as narrativas econômicas, reduzindo tudo a um choque entre o bem e o mal, entre o correto e o incorreto em matéria de negócios. O funcionamento do mercado financeiro tornou-se sofisticado demais e a complexidade acabou virando um enorme problema para os profissionais do jornalismo. O recurso à dicotomia, mesmo pretendendo servir aos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas, acabou lançando-os numa verdadeira ‘selva’ informativa cheia de incertezas e desorientação.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.