Ao melhor estilo Sérgio Chapelin na abertura do Globo Repórter, programa que está no ar há 51 anos na TV Globo, existem muitas perguntas que merecem respostas sobre o 8 de janeiro de 2023, dia que os autointitulados patriotas escolherem para vandalizar o Palácio do Planalto, o prédio do Congresso Nacional e o do Supremo Tribunal.
Como vivem atualmente? O que fazem? O que pensavam ao montar acampamentos em frente aos principais quartéis do país? Como foram parar em Brasília? Quem financiou a passagem? Quem pagou pelos ônibus? De onde saíram? Quem forneceu o lanche na viagem e as refeições no acampamento? Quem emprestou as barracas? Onde tomavam banho? Quem pagou pelos banheiros químicos? Quem os convidou para o quebra-quebra? Quem convocou a multidão que se juntou aos acampados às vésperas do protesto? Eles foram alertados sobre a tentativa de golpe para acabar com o Estado Democrático de Direito no Brasil ou avisados que participariam de um lúdico passeio dominical na Praça dos Três Poderes? Sabiam que poderiam ser presos? Até quantos anos podem ficar na cadeia? Após se verem encarcerados e completamente abandonados nos presídios, como pensam hoje os radicais de ultradireita? Quanto as famílias gastaram com advogados para verem seus parentes livres? Como vivem as mulheres e filhos dos que ainda estão nos presídios? Qual o perfil socioeconômico dessas pessoas?
As pautas que envolvem política geralmente seguem a agenda do dia. As nacionais são produzidas pelas assessorias de imprensa do governo federal, assim como, respectivamente, as estaduais e municipais.
Talvez, quem consome informação, ainda queira saber sobre os bastidores da política brasileira. Não aqueles que trazem os jornalistas que se gabam na televisão dizendo “eu falei com um ministro que me contou isso e aquilo”, tentando transparecer uma intimidade que não deve existir entre fonte e entrevistador.
Onde estão os repórteres com gana pela profissão, que autoridades não gostam de atender porque sabem que a relação não será de subserviência? Que, respeitosamente durante a entrevista, o jornalista vai levantar questões delicadas e sensíveis.
O que aconteceu no dia 8 de janeiro de 2023 é de tamanha complexidade que deveria ser tema diário de reportagens até chegarmos ao último capítulo dessa história.
Atualmente, cerca de 100 pessoas estão nos presídios brasileiros por conta dos ataques aos prédios públicos em janeiro de 2023, alguns condenados definitivos. A informação é da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal (STF). 221 foram condenados e 428 acordos foram homologados. Há 780 acordos que ainda podem ser feitos e 171 denunciados que ainda não viraram réus.
Cada número acima é uma vida e cada vida uma história que pode ser contada. Caso não ocorra, serão apenas números.
Conforme informações do STF, no dia 8 de janeiro de 2023 foram presas em flagrante 243 pessoas na Praça dos Três Poderes ou nos prédios invadidos. Entre os dias 8 e 9 de janeiro, mais 1.929 pessoas que estavam em frente aos quartéis foram conduzidas à Academia Nacional de Polícia, sendo que 775 foram liberadas no mesmo dia em virtude da idade, por terem filhos menores ou apresentarem comorbidades.
Dessas, ainda de acordo com a assessoria de imprensa, ficaram detidas inicialmente 1.397, que passaram por audiências de custódia que envolveram 72 magistrados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e da Justiça Federal. Após as audiências, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, analisou todos os casos e 459 presos receberam liberdade provisória mediante cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica e recolhimento domiciliar, entre outras. Ao longo de 2023, 81 pessoas foram presas em operações policiais a partir das investigações da Polícia Federal. Mensalmente, uma série de prisões passou a ser reavaliada e liberdades provisórias passaram a ser concedidas mediante cautelares.
Quatro inquéritos foram instaurados no Supremo Tribunal Federal em decorrência dos atos praticados no dia 8 de janeiro de 2023.
Inq. 4920, relativo aos Financiadores dos atos antidemocráticos, que prestaram contribuição material/financeira para a tentativa de golpe;
Inq. 4921, relativo aos Partícipes por Instigação que de alguma forma incentivaram a prática dos atos;
Inq. 4922, relativo aos Autores intelectuais e executores materiais que ingressaram em área proibida e praticaram os atos de vandalismo e destruição do patrimônio público; e
Inq. 4923, relativo às Autoridades do Estado responsáveis por omissão própria.
Nos parágrafos acima, mais quatro excelentes pautas. Quem são os financiadores presos e condenados? O mesmo para os partícipes por instigação, para os autores intelectuais e executores materiais e, por fim, para autoridades do Estado responsáveis por omissão própria.
No que diz respeito aos atos criminosos e golpistas de 8 de janeiro de 2023, informa a assessoria de imprensa do STF, o Plenário do STF condenou 221 réus denunciados pelos crimes previstos nos arts. 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), do 359-M, 163, parágrafo único, I, II, III e IV (dano qualificado) e 288, parágrafo único (associação criminosa armada), todos do Código Penal; e art. 62, I (deterioração do patrimônio tombado), da Lei 9.605/1998. Há, ainda, 780 ações penais, nas quais ainda cabem acordos, e outras 171 pessoas denunciadas pelos atos de 8 de janeiro 23 em procedimentos que estão em andamento.
Foram homologados, segundo a assessoria do STF, 443 acordos de não persecução penal, firmados entre a Procuradoria Geral da República e os réus denunciados pelos delitos previstos nos arts. 286, parágrafo único (incitação ao crime equiparada pela animosidade das Forças Armadas contra os Poderes Constitucionais) e no artigo 288, caput (associação criminosa), ambos do Código Penal, com admissão expressa da prática do fato, conforme a Cláusula Primeira dos respectivos acordos.
O Acordo de Não Persecução Penal é uma medida alternativa prevista no Código de Processo Penal para crimes cometidos sem violência ou grave ameaça, cuja pena mínima seja inferior a quatro anos.
Quem acompanhou a invasão pela televisão enxergou a violência que a Polícia Legislativa enfrentou para impedir a multidão em fúria.
É oportuno lembrar que, em nome da pacificação, o inelegível ex-presidente Jair Bolsonaro pediu anistia para os que participaram do 8 de janeiro de 2023. A tentativa de golpe, segundo ele, foi cometida por pobres coitados.
“É uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. A conciliação. Nós já anistiamos no passado quem fez barbaridade no Brasil. Agora nós pedimos aos 513 deputados, aos 81 senadores, um projeto de anistia para que seja feita justiça no Brasil”, disse.
Precisamos falar sobre o 8 de janeiro de 2023 para que não aconteça novamente e para que os responsáveis não saiam impunes.
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Paulo Renato Coelho Netto é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites Uol/Piauí/Folha de S.Paulo, O Globo, Claudia/Abril, Observatório da Imprensa e Vice Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”.