Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Taxa municipal para financiamento de jornais locais

(Foto: David Peinado, por Pexels)

Esta é uma ideia que começa a ser discutida em várias partes do mundo como uma resposta a dois dilemas cruciais para o futuro da maioria das cidades: a crescente importância da informação na manutenção da democracia e desenvolvimento econômico municipais; e, paradoxalmente, a falta de recursos para manter projetos jornalísticos capazes de alimentar o fluxo de notícias locais.

O aumento contínuo dos chamados “desertos informativos” (cidades sem fontes informativas locais) mostra como o fator financeiro é determinante na sustentabilidade de jornais tanto impressos como online focados na cobertura de temas locais. É neste contexto que a ideia da criação de uma taxa pública municipal para financiar total ou parcialmente projetos jornalísticos locais começou a ser testada em várias partes do mundo.

A cobrança de uma taxa pública já existe em vários países europeus, onde o caso mais conhecido é a da rede British Broadcasting Corporation (BBC), sustentada por seus usuários graças a um imposto recolhido e administrado pelo governo britânico. O modelo, considerado exemplar, funciona desde 1946 e o seu valor anual é hoje equivalente a pouco mais de mil reais por ano, incluindo o uso da TV e rádio, mas não alcança o jornalismo impresso e nem o acesso à internet. O problema é que o sistema da BBC acabou gerando uma pesadíssima burocracia, cuja ineficiência está sendo posta à prova agora na era digital.

A discussão atual sobre uma taxa municipal para financiamento do jornalismo tenta evitar a formação de uma máquina administrativa que acaba consumindo parte importante do dinheiro pago pelos contribuintes. Daí a opção por uma taxa municipal com o objetivo de aproximar as pessoas da produção e distribuição de notícias locais, adaptar os projetos às necessidades da comunidade, evitar a burocratização e especialmente o controle político partidário dos recursos arrecadados.

Embora o debate sobre a taxa esteja apenas começando, já existem alguns consensos como os mencionados no artigo dos pesquisadores norte-americanos Lee Shaker e Antoine Haywood (1). Eles discutem a viabilidade de cobrar um percentual sobre acesso a serviços como Netflix e Globoplay, ou acesso a canais de cinema e esportes. O problema é que ainda não há detalhes sobre a eficiência e transparência do sistema de cobrança e distribuição dos recursos recolhidos por empresas privadas, como as de streaming.

Administração da taxa

O trabalho de Shaker e Haywood dificilmente seria aplicável no Brasil por conta do nosso contexto informativo, já que aqui as populações de pequenas e médias cidades têm pouco conhecimento sobre a importância da informação e da notícia no atendimento de suas necessidades diárias. Testes iniciais realizados numa localidade de 50 mil habitantes aqui no Brasil mostraram que as pessoas precisam ser convencidas da necessidade de impor seus pontos de vista na hora de selecionar os assuntos a serem tratados em noticiários online, rádio ou jornais impressos. Uma ação como esta tomará algum tempo porque implica a mudança de hábitos e valores baseados numa visão do jornalismo como algo externo às comunidades e vinculado à agenda de interesses das elites políticas e empresariais.

A cobrança de uma taxa municipal, similar à que várias cidades já adotaram na cobrança da coleta do lixo ou de iluminação pública, pode acelerar o processo. O importante é que as comunidades liderem a campanha pela criação da taxa, para evitar que o processo seja apropriado por grupos políticos locais e contaminado pelo proselitismo ideológico. Isto, é claro, exigirá um exaustivo trabalho de promoção da ideia da cobrança da taxa, um esforço que pode funcionar também como uma ferramenta auxiliar na educação informativa de comunidades.

Outro desdobramento inevitável é a necessidade de criar uma estrutura de administração da eventual taxa de financiamento de projetos informativos locais. Neste ponto, o pesquisador norte-americano Simon Galperin (2) está testando em Chicago o funcionamento de Centros Comunitários de Informação (CCI) e Distritos Informativos (DI). Embora a iniciativa ainda não permita resultados conclusivos, já existem dados mostrando que os CCIs funcionariam como uma estrutura cobrindo uma cidade enquanto os DIs se limitariam a bairros ou grandes condomínios. Os centros comunitários fariam a distribuição dos recursos da taxa entre os DIs que, por sua vez, administrariam a divisão da verba entre os projetos aprovados pela comunidade.

Esta descrição ultra resumida de uma possível estrutura pública de comunicação a nível urbano embute o desafiador dilema da educação informativa, ou ‘literacia’ segundo o jargão acadêmico. Tanto o financiamento do jornalismo local como a montagem de uma estrutura pública de comunicação precisam da plena participação dos moradores de pequenas e médias cidades para funcionarem efetivamente. Para que isto seja alcançado, as pessoas precisam valorizar as notícias pelas quais vão pagar, o que por sua vez exige tanto uma revisão da agenda noticiosa local como uma mínima educação informativa para evitar fake news, desinformação e difamação.

Não é pouca coisa, mas parece ser a melhor alternativa para que o jornalismo local funcione como um gatilho tanto para a reinvenção da profissão e da imprensa como para a revitalização da participação cívica nas pequenas e médias cidades.

Notas

Eles são autores do texto: Using a digital entertainment tax to strengthen local information infrastructure in the united states: a conceptual exploration

Mais detalhes em https://www.comminfo.org/

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.