Até agora as mudanças climáticas causadas pelo aquecimento global têm sido uma pauta periférica nas disputas políticas municipais nas pequenas, médias e grandes cidades dos estados do Sul do Brasil. Isso deverá mudar nas eleições de 2024. As mudanças viraram a nova realidade do clima, como demonstram as tragédias que varreram a região em 2023. A última aconteceu na primeira semana de setembro, atingindo 13 cidades do Vale do Taquari, no interior gaúcho, matando 41 pessoas, sendo 14 em Muçum e nove em Roca Sales, duas pequenas cidades que foram praticamente destruídas pelas águas (os números são da noite de quinta-feira, 7 de setembro, e podem ser alterados já que várias pessoas continuavam desaparecidas). Claro, outras tragédias aconteceram recentemente pelos quatro cantos do planeta, provocadas pela “nova realidade” do clima – há matérias na internet. Não vou discutir as questões técnicas das mudanças climáticas, há uma vastidão de livros, documentos e reportagens que tratam do assunto. Estou sugerindo uma reflexão aos meus colegas, em especial os jovens repórteres que estão na correria da cobertura do dia a dia nas redações, e aos leitores sobre a cobertura das eleições municipais.
Éobrigação da imprensa empurrar para a pauta dos candidatos assuntos de interesse da população. No momento, as mudanças climáticas são um desses assuntos. Dito isso, vou começar a nossa conversa citando fatos que aconteceram na Floresta Amazônica em 1976, mais precisamente em Xapuri, pequena cidade no interior do Acre. Na época, o então seringueiro, ambientalista e sindicalista Chico Mendes e seu colega Wilson Pinheiro reuniam famílias e abraçavam as árvores que seriam abatidas para abrir espaço para a criação de gado. Ali nascia o movimento de resistência à destruição da Amazônia que ficou conhecido como “empate”. A imprensa era então fortemente censurada pelo regime militar, que assumira o governo no golpe de estado de 1964 e ainda permaneceria no poder até 1985. Mesmo assim, a história de Chico Mendes e seus aliados aparecia nos jornais. De maneira discreta, mas aparecia, o que era importante. Lembro-me que, na época, o movimento ambientalista começava a se erguer nas grandes cidades do país. Pessoas como o agrônomo gaúcho José Lutzenberger (1926 a 2002) se articulavam com ambientalistas americanos e europeus. Essa articulação abriu espaço para que o “empate” se consolidasse como estratégia de luta contra a derrubada da floresta. Na década de 80, Chico Mendes fez uma parceria política com a antropóloga Mary Allegretti e foi à sede do Banco Mundial, em Washington (EUA), tentar convencer os banqueiros a suspenderem os empréstimos que financiavam a derrubada da Floresta Amazônica e a investirem em empreendimentos sustentáveis. Por ter feito isso, ele foi marcado para morrer. Em 22 de dezembro de 1988, Mendes foi tocaiado e morto a tiros por Darcy Alves, a mando do seu pai, Darli Alves, grileiro de terras na floresta. Em 1990, os dois foram julgados e condenados. Eu estive no julgamento, em Xapuri, que teve cobertura de jornalistas do mundo inteiro.
De maneira muito resumida lembrei a história de Chico Mendes por considerá-lo um marco na luta ambiental no Brasil e que, por isso, merece ser conhecido e estudado pelas novas gerações de repórteres. E o caminho que essa luta pela preservação da floresta percorre é o mesmo que vem sendo trilhado pelas mudanças climáticas. Até há poucos anos, os horrores que as mudanças no clima fazem para o meio ambiente eram seguidas da advertência de que “é um assunto para o futuro”. As recentes tragédias mostram que o rolo já começou. Portanto, é uma boa oportunidade para a imprensa começar a perguntar aos candidatos sobre as suas propostas para lidar com o problema. Aos pauteiros dos jornais e noticiários lembro que há material sobre o assunto dando sopa em universidades, livros, pesquisas e matérias disponíveis na internet. De maneira discreta, o assunto já vem ocupando espaço na pauta dos debates entre os candidatos a prefeituras e câmaras de vereadores das cidades grandes. O desafio é colocá-lo também na pauta dos candidatos das cidades médias e pequenas, especialmente as que têm como atividade econômica principal o turismo e a agricultura. Vou começar pelas cidades agrícolas. Lembro que, nos anos 70, a grande discussão ambiental era quanto ao uso de agrotóxicos nas plantações da soja. Fiz muitas matérias sobre mortes de agricultores e moradores de pequenas cidades por intoxicação com defensivos. Para disciplinar o uso dos venenos agrícolas foram necessárias duas décadas de lutas – há matérias na internet. Atualmente, graças ao desmonte dos serviços de fiscalização pelo governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), o uso de agrotóxicos proibidos voltou a crescer. Não passa uma semana sem que as autoridades da fronteira não apreendam cargas de venenos agrícolas de uso proibido no Brasil. As cidades no Sul do Brasil que têm como atividade o turismo são caixas-pretas no tratamento do lixo urbano que precisam ser abertas pela imprensa.
Para arrematar a nossa conversa. As eleições municipais são as mais importantes no Brasil. Por quê? As decisões dos prefeitos e vereadores influenciam diretamente o dia a dia dos moradores da cidade. Todo repórter, mesmo o foca, como são apelidados os colegas em início de carreira, tem acesso aos vereadores e prefeitos. Especialmente nos pequenos e médios municípios. Isso facilita o trabalho de apuração, o que resulta em matérias mais encorpadas e interessantes. E as novas tecnologias de comunicação facilitam o acesso ao conhecimento do jornalista. Nos tempos das máquinas de escrever nas redações uma notícia, por mais relevante que fosse, levavam dias para se espalhar pelas comunidades. Hoje isso acontece no tempo de apertar um botão. O que contribui para a circulação das notícias de interesse mundial. O que aconteceu nos municípios do Vale do Taquari já deu várias voltas ao mundo.
Publicado originalmente em “Histórias Mal contadas”
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.