No dia 06 de janeiro de 2023 o governo Lula deu início às operações para tentar pôr fim aos garimpos ilegais nas terras yanomamis, em uma articulação que envolveu a Funai, o Ibama, a Força Nacional, as Forças Armadas e a Polícia Federal. Nos dois primeiros dias de operação, agentes do Ibama destruíram um helicóptero, um avião, um trator e estruturas utilizadas para a logística de uma área de garimpo ilegal. Também foram apreendidos duas armas e três barcos, cerca de 5.000 litros de combustível, freezers, geradores, antenas de internet e suprimentos que eram direcionados para áreas de garimpos ilegais. Além disso, desde o dia 01 de fevereiro o espaço aéreo das terras yanomamis passaram a ser controlados pela Força Aérea Brasileira, que tem realizado sobrevoos para identificar áreas de garimpos ilegais, com o objetivo de destruir aeronaves e maquinários utilizados pelos garimpeiros. Tais medidas são fundamentais para o combate desta atividade, que antes das operações executava mais de 40 voos clandestinos na região.
Podemos considerar que as operações do governo Lula visam romper com anos de conivência do governo federal à atuação de garimpeiros que atuavam dentro de Terras Indígenas. Em setembro de 2019, segundo publicado pelo The Intercept Brasil (27/04/2020), membros do governo Bolsonaro já haviam recebido lideranças de garimpeiros no Palácio do Planalto, demonstrando a proximidade do governo da extrema direita com pessoas ligadas a crimes ambientais e invasões de terras indígenas. Segundo apurado pela reportagem, Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) se reuniram com empresários investigados por compra de ouro ilegal e com um dos primeiros invasores de Terra Indígena Yanomami. No mesmo mês, Evandro Cunha, ex-policial militar nomeado para comandar o Ibama no Pará, declarou em audiência pública que recebeu ordens para não permitir a destruição de maquinários e veículos apreendidos em garimpos ilegais. Segundo apurado pelo Portal G1 (10/09/2019), Cunha declarou:
“Fiquem certos de que isso [a destruição de equipamentos] vai cessar, entendam que nós somos únicos, mas vamos trabalhar diuturnamente para acabar com essa problemática de estarem danificando patrimônio alheio. O trabalhador merece respeito, e terá o respeito do governo federal. Eu sou soldado e eu sei cumprir ordem, a ordem que recebi foi para parar com isso daí.”
Diante da repercussão do caso, denunciado por diversos canais de comunicação, Cunha foi exonerado do cargo. Porém, a retirada do superintendente do cargo parece ter representado mais uma tentativa de abafar a conivência do governo Bolsonaro com garimpeiros do que uma mudança na política do governo. Isso porque o próprio ex-presidente deu uma declaração intimidando fiscais do Ibama, em novembro de 2019. Segundo publicado pela revista Exame (05/11/2019), Bolsonaro, ao se deparar com garimpeiros que protestavam contra a destruição de maquinários e veículos apreendidos em garimpos ilegais, teria indagado ao grupo: “Quem é o cara do Ibama que está fazendo isso no Estado lá?”. Os garimpeiros teriam apontado que um delegado federal de Redenção, no Pará, seria o responsável. O ex-presidente disse, então: “Se me derem as informações, tenho como…” sem completar a frase. O diálogo descrito pela reportagem, ocorrido em frente ao Palácio do Planalto, demonstra o comprometimento de Bolsonaro com os interesses predatórios de garimpeiros que tinham materiais apreendidos em garimpos localizados em áreas de proteção.
O impacto do compromisso assumido pelo governo Bolsonaro com garimpeiros envolvidos em atividades criminosas pôde, também, ser percebido pela drástica redução nas operações que comprometiam as atividades econômicas destes contraventores que atuavam em Terras Indígenas e Áreas de Proteção Ambiental. Segundo apurado por reportagem publicada pelo The Intercept Brasil, em abril de 2020, somente no primeiro ano do governo Bolsonaro a destruição de escavadeiras e veículos de grande porte utilizados em crimes ambientais caiu 50%, em relação à média anual registrada entre 2014 e 2018. Vale lembrar que a destruição de veículos e maquinários utilizados em crimes ambientais é autorizada por lei e visa combater atividades ilegais e crimes ambientais em áreas protegidas. Durante seu governo, Bolsonaro sempre deixou claro ser contrário a tais medidas, chegando a exonerar o diretor responsável pela fiscalização do Ibama após uma operação que destruiu 12 escavadeiras. Olivaldi Azevedo foi retirado do cargo por Bolsonaro em abril de 2020, após a operação citada acima, que ocasionou um prejuízo de aproximadamente 6 milhões para grupos envolvidos em atividades ilegais e crimes ambientais. A influência do alinhamento do governo Bolsonaro com os garimpos ilegais também pôde ser sentida na atuação de políticos locais de extrema direita, como é o caso do governador de Roraima, Antonio Denarium. Em julho de 2022, antes de ser reeleito, o governador sancionou uma lei que proíbe a destruição e a inutilização de bens particulares apreendidos nas operações/fiscalizações ambientais no estado. Portanto, a catástrofe humanitária dos Yanomamis tem a digital de diversas autoridades públicas, tanto ligadas ao governo federal do ex-presidente Bolsonaro, quanto ligadas ao governo estadual de Denarium. O que todos estes agentes públicos possuem em comum é o fato de terem sido eleitos por meio da agenda de retrocessos defendida pela extrema direita no Brasil.
Outro dado que revela a conivência do governo Bolsonaro com os garimpos ilegais é a drástica redução ocorrida na apreensão de equipamentos de garimpos ilegais na Amazônia. Segundo revelado por levantamento realizado pelo Observatório do clima, o número de apreensões caiu 81% de 2018 para 2021. Enquanto em 2018, o IBAMA apreendeu 2.391 equipamentos, em 2021 o número caiu para 452. Portanto, a proliferação dos garimpos ilegais em todo o território brasileiro foi uma consequência direta da atuação, ou da falta de atuação, do Estado brasileiro durante os anos de governo da extrema direita. Vale lembrar que durante o processo eleitoral de 2022, Bolsonaro declarou em entrevista ao Jornal Nacional (22/08/2022) que o Ibama cometia abusos ao queimar equipamentos apreendidos em operações de fiscalização. Segundo fala do ex-presidente: “O que vinha acontecendo e ainda vem, infelizmente, é que o material pode ser retirado do local, porque se chegou lá pode ser retirado, e há o abuso de uma parte. Por parte do Ibama”. A declaração do ex-presidente demonstra sua visão sobre as ações de fiscalização dos órgãos federais responsáveis pela proteção de reservas indígenas e outras áreas de proteção ambiental. Fica evidente que para Bolsonaro os interesses econômicos e a salvaguarda das propriedades dos criminosos envolvidos em crimes ambientais eram mais importantes do que a defesa do meio ambiente e das populações que vivem nestas terras. Infelizmente, certamente outras populações indígenas, além dos yanomamis, também se encontram ameaçadas pela proliferação de garimpos ilegais durante o governo da extrema direita. Isso porque, as consequências geradas por esta atividade são devastadoras para as populações que vivem nestas terras, conforme destacou Paulo José Brando Santilli, antropólogo e professor da Unesp, em entrevista ao Jornal da Unesp (07/02/2023):
“O garimpo ilegal é devastador em Terra Yanomami ou em qualquer outra região que abrange povos indígenas e nativos de forma geral. Em termos ambientais essa atividade gera poluição da água com mercúrio e outros metais pesados, promove o desmatamento entre outros problemas. Em relação aos aspectos sociais e culturais, o garimpo ilegal é vetor de inúmeras pandemias: malárias, doenças venéreas, sarampo e gripes fortes que para essa população pode ser letal. Essas populações têm outras defesas orgânicas, mas não contra essas epidemias. Então, nas aldeias, quando uma pessoa cai com febre ou com malária ela deixa de ir à roça, caçar, pescar e aí vem a fome que gera estados de calamidades, dizimam vidas. Além disso, esses espaços acabam criando conjuntos de homens que assediam índias, exploram mulheres, tráfico de drogas e armas, enfim, devastam os povos indígenas”.
Portanto a devastação dos povos indígenas está ocorrendo em todas as regiões atingidas pela proliferação dos garimpos ilegais, já que tal atividade é acompanhada de diversos efeitos catastróficos que ameaçam o bem-estar e a sobrevivência dos povos originários brasileiros. Nesse sentido, a atuação do governo Lula para desmantelar os garimpos ilegais nas terras yanomamis é um primeiro passo importante para a reversão da tendência de genocídio das populações indígenas observada durante os anos de governo da extrema direita. Ao mesmo tempo, é fundamental que a mídia e a população tenham a consciência de que o desafio que a sociedade brasileira tem pela frente é enorme e que não se restringe apenas às Terras Yanomamis. Caberá ao governo Lula reestruturar os órgãos públicos de fiscalização e retomar políticas públicas importantes para a proteção do meio ambiente e das populações indígenas que foram desmanteladas pelo governo Bolsonaro. Porém, tal tarefa depende, também, da atuação de governos estaduais e municipais que também foram eleitos durante o crescimento da extrema direita no Brasil. Desse modo, a tarefa de reconstrução do país após anos de destruição só será possível por meio da conscientização da população brasileira sobre os riscos do apoio popular a políticos comprometidos com a agenda de retrocessos e de destruição defendida pela extrema direita. Somente assim, será possível superarmos todas as catástrofes ambientais e humanitárias produzidas nos últimos anos, para que quem sabe, no futuro, possamos olhar para o governo da extrema direita como um período para o qual nunca mais desejaremos retornar enquanto civilização.
Notas
COELHO, Renato. Jornal da Unesp. 07 fev, 2023. Disponível em aqui. Acesso em: 08/02/2023.
WERNECK, Felipe. The Intercept Brasil. 27 abril 2020. Disponível em aqui . Acesso em: 08/02/2023.
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Diogo Comitre é professor do IFSP, mestre e doutorando do Programa de História Social da Universidade de São Paulo; Ana Carolina Diniz Rosa Comitre é professora da UNISO, mestre e doutoranda do Programa de Saúde Coletiva da Unicamp.