A infectologista narrou aos alunos de pós-graduação do Labjor sua atuação na mídia durante a covid-19 e falou do presente e do futuro da cobertura jornalística de ciência e saúde.
Algumas semanas após a chegada da covid-19 ao Brasil, em março de 2020, a infectologista Raquel Stucchi – professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp – mandou um áudio de WhatsApp a uma amiga com uma opinião impopular na época: a de que toda a população deveria usar máscaras, mesmo que fossem costuradas em casa. A amiga pediu para compartilhar, e por isso, Stucchi gravou um segundo áudio, em que se identificava e explicava seu ponto de maneira mais clara. Viralizou – o que foi positivo para as pessoas aumentarem o cuidado para evitar o contágio da doença. Por outro lado, vários colegas acadêmicos a criticaram por contrariar o consenso vigente naquele momento.
No começo da pandemia, afinal, a recomendação era reservar máscaras a profissionais de saúde e infectados. Um argumento é que o pânico poderia motivar as pessoas a comprarem máscaras aos montes, o que acabaria com o estoque destinado a hospitais. Outro era que não havia evidências suficientes de que elas fossem um meio de prevenção eficaz para pessoas saudáveis. Stucchi, porém, insistiu que cobrir nariz e boca era o prudente a se fazer contra uma doença respiratória – ainda mais num cenário tão incerto. Dias depois, o jogo virou: as máscaras se tornaram recomendação universal – e Stucchi se tornou uma das acadêmicas mais ativas na imprensa brasileira.
Em 23 de outubro, Stucchi contou essa e outras histórias no seminário “Como falar sobre saúde para público em geral” a estudantes de pós-graduação do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. No encontro, ela abordou sua atuação voluntária na mídia durante a covid-19 – e explicou os desafios que enfrenta para comunicar saúde a diferentes públicos pelas redes sociais.
No seminário, Stucchi ressaltou que doenças respiratórias como a covid-19 nunca foram o foco de suas pesquisas. Mas, ao observar a polarização política e a disseminação de notícias falsas que se instalaram nas redes sociais durante a pandemia, ela notou que tinha competência para orientar a população. A cientista se dedicou a ler e interpretar o mar de artigos científicos que saíam sobre o tema e a ajudar a população e os jornalistas a navegá-lo.
Ela participou de mais de 600 entrevistas veiculadas em redes de televisão, rádio, jornais, revistas, portais e redes sociais. A professora escolheu falar para qualquer veículo, mesmo os que tinham posições políticas diferentes das suas – ciente da necessidade de manter um diálogo construtivo pelo bem da saúde pública.
No seminário no Labjor, a pesquisadora disse que não recebeu treinamento para falar com a mídia, mas que sua experiência profissional a ensinou. Além de ser professora universitária, Stucchi também atende pacientes, duas situações que exigem falar de maneira acessível para não especialistas. “Me agradece o desembargador e me agradece o frentista do posto de gasolina. A responsabilidade que a gente tem é imensa”, disse Stucchi, feliz com o reconhecimento por suas aparições na mídia.
Stucchi defende que os cursos de graduação deveriam ter uma disciplina dedicada à comunicação para desenvolver essa habilidade desde cedo na carreira de jovens cientistas. Ela conta que seus colegas de profissão eram reticentes em conceder entrevistas, com medo de que as suas falas pudessem ser distorcidas – e que sua experiência majoritariamente positiva no trato com jornalistas encorajou outros pesquisadores a se aventurar na divulgação de ciência.
Stucchi também deu dicas sobre a cobertura de ciência e saúde aos alunos do Labjor. Ela enfatizou a importância de se preparar para entrevistas, familiarizando-se com os tópicos discutidos para tirar o melhor dos especialistas – e incentivou o uso de uma linguagem acessível ao público, que evite o jargão acadêmico e recorra a analogias com o cotidiano.
A docente defendeu que os jornalistas analisem com cuidado os artigos científicos que pretendem citar. É preciso considerar o histórico e a relevância dos periódicos em que foram publicados, a origem do dinheiro que financiou a pesquisa, vieses e limitações do estudo etc.
Raquel enxerga um saldo positivo na comunicação de ciência durante a pandemia: apesar da disseminação de notícias falsas e dos respingos de polarização política no debate sobre saúde pública, jornalistas e pesquisadores conseguiram realizar seu papel de conscientização e esclarecimento sobre vacinas e outros tópicos.
Agora, porém, ela afirma que precisamos concentrar esforços em outras áreas, como amenizar o descontrole ambiental causado pelas mudanças climáticas – que podem engatilhar novas pandemias, dentre outros desastres socioambientais (como queimadas, ondas de calor e outros eventos climáticos extremos) que já estão acontecendo.
A especialista fechou o seminário recomendando algumas prioridades para o jornalismo na área de Saúde neste momento – como a vacinação em baixa no Brasil, o aumento de casos de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), a necessidade de melhorar a educação sexual nas escolas e a importância da prevenção de doenças e do diagnóstico precoce.