Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

É tempo do alvoroço das fake news

(Imagem de u_5785qxtfen por Pixabay)

Fake news é uma expressão que faz parte dos dias de hoje. É difícil, mas não impossível, encontrar cidadãos perdidos em território nacional que não saibam o significado da expressão. Costumo brincar afirmando que elas são mais velhas do que o homem mais velho que você encontrar no bar da esquina, porque, de fato, quando falamos em fake news estamos nos referindo a notícias falsas e isso sempre aconteceu tantas nos pequeninos lugarejos graças às comadres fofoqueiras quanto nas grandes cidades, graças a quem adora “bancar o terror” ou o horror, a maledicência, a difamação ou o maldizer.

Como vivemos na era da informação, em que, mais do que nunca, as notícias circulantes ganham peso em nosso cotidiano, as fake news, no alto de seu andor, também reverberam, resplandecem e causam repercussão. Em época de eleição, são inevitáveis. É um disse-me-disse sem fim. É como se voltássemos aos tempos das cavernas e não avaliássemos como é perigosa a desinformação. Em termos individuais, é indiscutível a importância crescente da informação como fator de integração, sociabilização, democratização, igualdade, cidadania, libertação, engrandecimento e dignidade pessoal. Não há exercício da cidadania sem informação: o cumprimento de deveres e a reivindicação de direitos civis, políticos e sociais pressupõem seu conhecimento e reconhecimento. E isto é informação.

No campo social e político, é flagrante o papel da informação como elemento essencial para o progresso econômico e social dos povos. Impõe-se como força de transformação do homem, aliando-se à mídia em suas diferentes modalidades, incluindo aí as ferramentas tecnológicas e as chamadas redes de informação que circulam no meio virtual. Ao tempo em que aceleram a transferência de informações, possibilitam tanto a desinformação, pela dificuldade de checagem dos dados em circulação, quanto a infoxicação, termo criado pelo físico espanhol Alfons Cornellá, em 1996, para nomear o excesso de conteúdos que recebemos, a cada hora, a cada dia, e, portanto, que não conseguimos absorver, causando dispersão, estresse e a célebre ansiedade de informação. Podemos, ainda, usar, aqui, a expressão infodemia alusiva ao excesso de informações, que dificulta a identidade de fontes idôneas e orientações confiáveis, como ocorreu quando da expansão no caso da corona virus disease (Covid-19).

Portanto, a difusão de informações deve estar inserida no processo desenvolvimentista das nações, configurando e fortalecendo a relação informação versus avanço social, a partir da concepção de que as conquistas sociais se vinculam à democracia. Esta não pode e não deve ser visualizada como um sistema meramente político, mas como forma de vida social, quando se estimula o exercício permanente da cidadania, mediante a participação dos cidadãos nas decisões do Estado. Tal participação decorre da qualidade das informações que se produz, se acessa, se repassa e dos benefícios então advindos. A informação, além do aspecto democratizante, exerce papel educativo que concorre para mudanças de significação social e cultural.

O horário eleitoral ora em vigor no Brasil ou o debate ocorrido na noite da terça-feira (10/09), na Filadélfia, entre os candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Kamala Harris (Partido Democrata) e Donald Trump (Partido Republicano), em que os analistas se detiveram ou se divertiram em assinalar o número de “mentiras” proferidas pelos dois candidatos (Trump “ganhou”), ou a salada de itens fétidos que cercaram a “última reeleição” de Nicolás Maduro na vizinha Venezuela são exemplos clássicos de como a desinformação, a infoxicação ou a infodemia são nocivas às populações.

Sob esta perspectiva, precisamos atentar para o fato de que nossos canais de percepção estão entrando em pane. Nossa percepção de mundo é inevitavelmente distorcida por ser seletiva: não podemos perceber tudo; não podemos ler nas entrelinhas. Quanto mais imagens e mais informações em circulação tivermos de defrontar, tanto mais distorcida será nossa visão. Isto é, o volume atual de informações repassadas pelos meios de comunicação em quantidades inacreditáveis agrava a chance de distorção na percepção e o que é mais grave, relega os porquês dos fatos a um plano inferior, o que termina por reduzir a história a fragmentos desconexos e superficiais. Muitos recebem informações através do rádio e da tevê. Muitos – a maioria – permanecem à margem do debate público, sem entender a essência dos fatos.

Afirmamos, pois, que o acesso ao circuito informativo não garante a participação nas decisões públicas, em particular, no Brasil, onde, indiferente ao avanço tecnológico, o estágio socioeconômico predominante da população corresponde à saída da oralidade para a audiovisualidade, sem sequer o domínio da leitura, na acepção de atribuição de sentido a um texto em relação dialógica autor x leitor. Não nos referimos ao analfabetismo absoluto, em que o cidadão não domina o código alfabético, mas, sim, ao analfabetismo funcional, quando não se tem o padrão mínimo de conhecimento para operar na sociedade construída sobre a escrita.

Logo, tempo de eleições é tempo de cuidado com o que discutimos, propagamos e assimilamos como verdade absoluta. Isto corresponde a afirmar – cuidado com o alvoroço das fake news –, assimilando uma verdade simples e simplória, expressa pelo ex-primeiro-ministro britânico James Callaghan, num dia que se faz longínquo: “uma mentira pode dar a volta ao mundo antes que a verdade tenha a chance de calçar as botas”.


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Maria das Graças Targino é Doutora em Ciência da Informação e jornalista, finalizou seu pós-doutorado junto ao Instituto Interuniversitario de Iberoamérica da Universidad de Salamanca e Máster Internacional en Comunicación y Educación da Universidad Autónoma de Barcelona. Sua experiência acadêmica inclui cursos em outros países, como Inglaterra, Cuba, México, França e Estados Unidos, além de vinculação com a UFPI e UFPB por longos anos.