A diferença entre estas duas atividades ganhou um novo significado a partir do processo de digitalização da vida contemporânea, após quase 200 anos em que ambas foram tratadas como se fossem a mesma coisa. Hoje, a diferenciação se tornou fundamental para que tanto o jornalismo como a imprensa consolidem seus nichos específicos na nova economia digital da informação e busquem fórmulas diferenciadas de sobrevivência financeira.
No campo da teoria, a separação conceitual e funcional entre jornalismo e imprensa é clara há muito tempo, mas desde o surgimento da comunicação de massa, no início do século XIX, fatores econômicos criaram condições para que os interesses corporativos incorporassem o discurso jornalístico como parte de sua estratégia de conquista de públicos consumidores de notícias.
A história do jornalismo contempla três fases bem diferenciadas. Houve uma etapa inicial que vai desde o surgimento do primeiro jornal impresso, em 1609, até por volta de 1830, período em que o jornalismo era exercido basicamente por indivíduos com algum tipo de causa pessoal ou pública. A partir de meados do século XIX surgiu a imprensa de massa, baseada em corporações empresariais empenhadas em obter lucro ao oferecer informações para grandes públicos. O terceiro e mais recente período, é o digital, surgido no final do século XX e que revolucionou tanto a produção de notícias como a composição das audiências.
A era da imprensa baseada em processos mecânicos foi marcada pela associação entre a produção industrial de notícias e o surgimento de uma virtual simbiose entre jornalismo e grandes conglomerados empresariais na área de comunicação pública. O crescimento demográfico da população mundial alimentou um aumento na procura de notícias, o que viabilizou o surgimento de grandes conglomerados financeiros envolvidos na produção de notícias. A entrada neste ramo da produção industrial exigia altos investimentos devido ao elevado custo dos equipamentos, o que obrigou o jornalismo a depender do grande capital.
Esta dependência criou as condições para que os conglomerados empresariais se apoderassem do discurso jornalístico sobre liberdade de informação como uma forma de gerar no público a percepção de que as informações e notícias publicadas estavam isentas de interesses corporativos, governamentais e financeiros, portanto atreladas às necessidades das pessoas comuns. Foi esta conjuntura que deu origem à confusão conceitual entre liberdade de informação e liberdade de imprensa, como um corolário da associação entre jornalismo e empresas jornalísticas.
Os paradoxos de uma relação
O jornalismo e o negócio da notícia são movidos por lógicas distintas. A razão de ser do jornalismo é fornecer às pessoas os fatos, dados, eventos e ideias necessários para que os indivíduos e as comunidades tomem decisões de acordo com suas necessidades e desejos. Já a imprensa precisa de receitas para pagar custos operacionais e investir em inovação, bem como de lucros para remunerar proprietários e acionistas.
Apesar de obedecerem a lógicas distintas, o jornalismo e a imprensa estão vinculados estruturalmente. O jornalismo é uma atividade essencialmente relacional, ou seja, envolve a relação entre o profissional e pessoas, sejam elas testemunhas de eventos, protagonistas de fatos ou pesquisadores de dados e ideias. O jornalista precisa de outras pessoas para produzir notícias. Já a imprensa depende de estruturas físicas capazes de organizar e dar funcionalidade às relações entre jornalistas e o público. A imprensa, na definição tradicional, não existe sem os jornalistas, enquanto estes não conseguem exercer sua função sem um mínimo de apoio de estruturas que permitam a divulgação de notícias.
Não obstante esta dependência mútua, o jornalismo e a imprensa terão que trilhar caminhos diferentes na busca de sobrevivência financeira na era digital. O modelo de negócios vinculando notícia e publicidade não funciona mais, a não ser em casos muito específicos. Na esmagadora maioria dos casos, o jornalismo terá que buscar na relação com o público os meios para chegar à sustentabilidade, enquanto a imprensa vai buscar no entretenimento as receitas publicitárias indispensáveis à sua sobrevivência.
Trata-se de uma diversificação positiva para ambos os lados. A digitalização reduziu a quase zero o valor comercial da notícia, por causa da avalanche informativa. Logo a imprensa não pode mais se basear numa commodity desvalorizada para ter receitas e lucros que lhe garantam a sobrevivência como empresas. E o jornalismo passa a ser a tábua de salvação para audiências desorientadas pela superoferta de notícias e pelas incertezas geradas pela desinformação.