Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Inteligência Artificial e os riscos para a credibilidade do jornalismo

Num mundo dominado pela Inteligência Artificial e outras tecnologias, qual o papel do jornalismo na busca e divulgação da verdade? De que maneira a criação digital de imagens que parecem reais pode ameaçar a estabilidade da sociedade? O que é real e o que é digital? E de que maneira o jornalismo pode sobreviver sem os recursos financeiros necessários para pagar a conta? E, sem ele, o que perdemos? Essas são algumas das questões discutidas em palestras e painéis durante o South by Southwest, o SXSW, o festival de inovação que acontece anualmente em Austin, no Texas, e esse ano está sendo realizado entre os dias 8 e 16 de março.

São mais de 400 eventos e é impossível acompanhar tudo, claro. Mas eu consegui, nos seis dias em que estive lá, ver alguns dos painéis discutindo esses temas. Um deles, com o tema “AI e jornalismo: a consequência massiva quando a verdade é IA”  reuniu quatro editores e diretores de fotografia de veículos como CNN e The Washington Post para falar da ameaça da Inteligência Artificial na criação de imagens não verídicas e dos riscos que as redações correm de, por engano, publicar uma imagem manipulada digitalmente.

A conclusão: é impossível evitar, mas é possível criar mecanismos para tentar se precaver, desde analisar os metadados das imagens a restringir os colaboradores externos e aceitar imagens apenas de fontes conhecidas e confiáveis.

Para ilustrar, os debatedores contaram sobre a reação, em suas redações, durante o episódio da foto divulgada pela princesa de Gales, Kate, com os filhos, editada digitalmente. Depois que os veículos perceberam, ela reconheceu que tinha editado a imagem. Agências de notícias que haviam distribuído a imagem (disponibilizada originalmente pelo Palácio de Buckingham) tiraram a foto do ar e as matérias passaram a contar que ela havia sido alterada.

Este caso traz várias questões relevantes para o jornalismo. Como deve ser a relação entre os concorrentes? Devem tentar um furo ou se aliar para reduzir a possibilidade de erro? Como calibrar as duas coisas? São questões que fazem parte da rotina das redações há muito tempo, mas o desenvolvimento tão rápido das novas tecnologias traz novos desafios. 

Num ano de eleição presidencial nos Estados Unidos, aumenta a preocupação com a perda de sensibilidade do público para distinguir conteúdo falso do real. “Estou menos preocupado com o conteúdo falso do que com o conteúdo real que as pessoas dizem que não existe. Trump já disse que fotos dele saindo da Corte (reais) deviam ser IA. Mas não, era real. Acho que isso vai fazer nosso trabalho mais difícil este ano”, disse Donnie O´Sullivan, corrrespondente da CNN. Imagens falsas ou manipuladas estão aí há bastante tempo, na verdade, desde a criação do Photoshop. A diferença é que agora existem ferramentas que fazem isso ao alcance de todos, inclusive aplicativos de celular, e cada vez com maior qualidade.

Diante da certeza de que irão se deparar com essas imagens, as grandes redações americanas estão tentando se preparar para identificá-las. “Eu estou procurando aprender, buscando especialistas para entender sobre IA”, contou Bernadette Tuazon, diretora de fotografia da CNN. 

Por outro lado, já existem usos em que a IA está ajudando os jornalistas a ganhar tempo “Tem sido muito útil por exemplo para analisar grandes volumes de documentos, e estamos olhando para outras maneiras de usar de forma responsável”, disse David Allan, diretor editorial de Features da CNN.

E se um evento falso resultar numa guerra real?

Essa foi a hipótese trazida pela futurista Amy Webb em seu Emerging Tech Trend Report deste ano, considerada a bíblia de tendências e lançada todo ano na palestra mais concorrida do festival, com uma fila que começa a se formar duas horas antes. Ela alertou para os maus usos da Inteligência Artificial e imaginou um cenário em que um evento totalmente fictício poderia ser criado, com todos os detalhes, inclusive notícias, imagens e repercussões que poderiam resultar numa resposta real, começando até uma guerra.

Como financiar o jornalismo?

A crise financeira da mídia e seus riscos para a sociedade foram mencionados logo no primeiro painel do festival. “Eu sei que muitos de vocês estão prestando atenção no colapso do jornalismo. Mas todos os dias temos manchetes sobre algum veículo em crise ou que fechou” disse Elizabeth Bramson-Boudreau, Publisher e CEO do MIT Technology Review, que apresentou o report “10 tecnologias que transformar o mundo em 2024”.

Ela citou a crise da publicidade com o digital citou veículos que tiveram as equipes reduzidas e pediu que a audiência apoiasse o jornalismo assinando a própria MIT Tech Review ou algum outro veículo. “Vou adorar se vocês apoiarem a gente, mas se não for, tudo bem. Apoio o seu jornal local, apoie algum veículo”, apelou, antes de apresentar um relatório que tinha como primeiro item Inteligência Artificial para tudo.

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Denize Bacoccina é jornalista, editora do Observatório da Imprensa e Head de Conteúdo Editorial do Experience Club. Foi repórter do jornal O Estado de S. Paulo, correspondente da BBC Brasil em Londres, Washington e Brasília, chefe da sucursal da IstoÉ Dinheiro em Brasília, superintendente de digital da EBC e country manager da agência de vídeos Ruptly.