No dia 19 de fevereiro a Lei 9.612/98 que criou o Serviço de Radiodifusão Comunitária completa 13 anos de promulgação e a única coisa que tem para se comemorar é o compromisso da presidenta Dilma em atender as demandas do movimento. Ninguém nega a importância do serviço para a sociedade, o desenvolvimento regional, o empoderamento da sociedade, o resgate da cultura local, a ferramenta para a democratização comunicação e a sua regulamentação por lei. Mas o que leva o Estado a criar mecanismos que dificultam a instalação dessas emissoras, se elas trazem tanto bem a sociedade?
O fato é que a inoperância do Estado, proposital ou não, criou um movimento de resistência, considerado radical, ao ponto de não ter paciência de garantir ao novo ministro das Comunicações Paulo Bernardo um tempo razoável para implementar políticas transformadoras para o setor. Mas é claro que temos um novo ministro que em seus pronunciamentos refletem opiniões antigas, tipo ‘tem muita rádio que é comercial e não comunitária’; que desagradam os militantes, mesmo prometendo mudanças.
Talvez por não conhecerem os números, não entendem e compreendem tamanha inquietação. Assim, é necessário levantar alguns dados que possam mostrar a incompetência e a inoperância do Estado. Sempre é bom lembrar que a lei 9.612/98 que veio criar as rádios comunitárias é utilizada para restringir um movimento que ocupava o espectro livremente desde o final da década de 80 e toda a década de 90. Uma lei perfeita nas questões dos princípios, finalidade e controle social e criminosa na questão técnica (potência, numero de canais, altura de torre, sustentabilidade e outras).
Um número insignificante
Em 01 de fevereiro de 2011 foram autorizadas para o uso da radiofrequência pela Anatel 3.938 entidades, 363 estão em fase de licenciamento, totalizando 4.201 emissoras que concluíram seu processo no Ministério das Comunicações. O numero parece grandioso, mas para o movimento, insignificante para esses 13 anos, pois:
a.
O Brasil possui 5.564 municípios, isso quer dizer que em 13 anos não se autorizou uma rádio comunitárias por cidade brasileira;b.
Centenas de cidades foram contempladas com mais de uma autorização, sabemos que mais de 40% das cidades brasileiras não tem sua rádio comunitária autorizada;c.
Pior é que quase 30% das cidades brasileiras não terão sua emissora comunitária autorizada no próximo ano, pois todos os processos habilitados estão arquivados, não houve inscrição quando do aviso ou a cidade não foi contemplada com nenhum aviso de habilitação até agora;d.
A média de autorização ano nesse período foi inferior a 303 entidades, quanto à necessidade é de no mínimo 1.000 autorizações anuais, para se atender todos os bairros e comunidades rurais do país em mais pouco mais de 20 anos, criando um enorme passivo;e.
Mas o número mais interessante é o da capacidade instalada das rádios comunitárias brasileiras que é de 98.450 watts, ou 98 kw (multiplicação das 3.938 emissoras pela potencia do transmissor de 25 watts que a lei determina). Potencia essa inferior a da Rádio Globo do Rio de Janeiro, como muitas outras emissoras comerciais.Rádios mal chegam a 50% das cidades
Assim, vemos que em 13 anos de vida as rádios comunitárias mal chegaram a um pouco mais de 50% das cidades brasileiras e a potência instalada não chega a uma emissora comercial. Se analisarmos o exemplo do estado do Piauí, um dos que mais necessita a presença do Estado, os resultados ainda são piores:
1.
Dos 244 municípios piauienses apenas 65 foram contemplados, um percentual de 73,36% das cidades não foram atendidas (Alagoinha do Piauí,Alto Longá, Altos, Alvorada do Gurguéia, Amarante, Angical do Piauí, Barro Duro, Boa Hora, Bocaina, Bom Jesus, Bom Princípio do Piauí, Brasileira, Cabeceiras do Piauí, Canto do Buriti, Capitão Gervásio Oliveira, Castelo do Piauí, Cocal, Cocal dos Alves, Colônia do Gurguéia, Conceição do Canindé, Cristalândia do Piauí, Curimatá, Dom Expedito Lopes, Elesbão Veloso, Esperantina,Floriano, Fronteiras, Guadalupe, Ipiranga do Piauí, Itainópolis, José de Freitas, Lagoa de São Francisco, Lagoa do Barro do Piauí, Landri Sales, Marcos Parente, Miguel Alves, Monsenhor Gil (2), Morro do Chapéu do Piauí, Oeiras, Palmeira do Piauí, Palmeirais, Pedro II, Picos, Pimenteiras, Pio IX,Piracuruca, Piripiri, Queimada Nova, Redenção do Gurguéia, Regeneração, Santa Filomena, São Félix do Piauí, São Francisco de Assis do Piauí, São João da Canabrava, São João da Fronteira, São João do Piauí, São José do Piauí, São Julião, São Miguel do Tapuio, São Pedro do Piauí, São Raimundo Nonato, Simões, Teresina (2), União e Valença do Piauí).2.
São 83 municípios que não serão contemplados com autorização no próximo ano, pois não há processos em tramitação por terem sido arquivados após habilitação (57 cidades) e por não terem sidos contemplados ou habilitados em avisos (26 cidades), um percentual de 37% das cidades do estado (Acauã, Água Branca, Alegrete do Piauí, Antônio Almeida,Arraial, Barreiras do Piauí, Bertolínia, Bonfim do Piauí, Boqueirão do Piauí, Cajazeiras do Piauí,Campinas do Piauí, Campo Alegre do Fidalgo, Capitão de Campos, Caraúbas do Piauí, Colônia do Piauí, Currais, Curral Novo do Piauí, Eliseu Martins, Francisco Macedo, Geminiano, Guaribas,Inhuma, Isaías Coelho, Jacobina do Piauí, Jerumenha, João Costa, Juazeiro do Piauí, Lagoa Alegre,Lagoa do Piauí, Lagoinha do Piauí, Madeiro, Manoel Emídio, Marcolândia, Milton Brandão, Nazaré do Piauí, Nossa Senhora dos Remédios, Padre Marcos, Paes Landim, Pajeú do Piauí, Paquetá,Parnaguá, Patos do Piauí, Paulistana, Pavussu, Pedro Laurentino, Ribeira do Piauí, Ribeiro Gonçalves, Rio Grande do Piauí, Santa Cruz do Piauí, Santa Rosa do Piauí, Santo Inácio do Piauí, São Braz do Piauí, São Francisco do Piauí, São João da Serra, São João da Varjota, São Lourenço do Piauí– Aroeiras do Itaim, Baixa Grande do Ribeiro, Barra d´Alcântara, Betânia do Piauí, Coronel José Dias,Fartura do Piauí, Floresta do Piauí, Francinópolis, Francisco Ayres, Francisco Santos, Miguel Leão,Morro Cabeça no Tempo, Murici dos Portelas, Nazária, Nova Santa Rita, Olho d´Água do Piauí, Pau-d´Arco do Piauí, Porto Alegre do Piauí, Riacho Frio, Santa Cruz dos Milagres, Santana do Piauí, Santo Antônio de Lisboa, Santo Antônio dos Milagres, São Miguel do Fidalgo, Sebastião Leal e Tamboril do Piauí).Para agravar ainda mais a situação do movimento de rádios comunitárias, o governo vem exercendo nesses últimos anos quatro formas repressoras e de alta eficiência:
1.
A Anatel, a Polícia Federal e polícias estaduais, em conjunto com parte do MPF e do Poder Judiciário, reprimem as entidades e companheiros que vem resistindo à luta de manter as emissoras no ar, enquanto não é concedida a licença de funcionamento com busca e apreensão, lacração, prisões, denuncias criminais, condenações e multas (hoje há em torno de 10 mil transmissores no ar sem autorização), mas se mantém o lema ocupar, transmitir, resistir sempre.2.
O Ministério das Comunicações criou uma indústria de multas contra as rádios comunitárias autorizadas, muito mais eficientes do que o da concessão de outorga;3.
O Ministério das Comunicações, a Casa Civil e o Congresso Nacional (com louváveis exceções) vêm se negando a discutir a ampliação e modernização do sistema, simplificação dos procedimentos administrativos, controle social, publicidade dos atos administrativos pela internet, formação e renovação das outorgas.4.
Todos querem responsabilizar o Movimento de Rádios Comunitárias pelas outorgas de entidades picaretarias, mas a responsabilidade é única e exclusivamente do Ministério das Comunicações que sempre fez ‘vista grossa’ para as evidências de não atendimento aos critérios conceituais do serviço que reza na lei e mesmo foram analisadas e concedidas pelo Ministério das Comunicações. Sempre houve denuncias e sugestões para resolver a situação, nunca acatados. É interesse e defesa do movimento a moralização do serviço.O governo, tendo os relatórios de um Grupo de Trabalho (GT) e um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), acordo firmado durante a 1ª Confecom e a expertise dos dirigentes da Abraço, não possui justificativa para continuar errando.
Nossa radicalidade não é maior que a indignação. Que venham mais 13 anos e que o ministro Paulo Bernardo e sua equipe possam ver e transformar essa realidade.
Fonte dos dados