Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“A classificação indicativa é constitucional”

De novembro de 2010 a março de 2011, o Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Dejus), promoveu ampla consulta pública online sobre o processo de classificação indicativa. Na ocasião, o próprio Dejus anunciou que a consulta serviria de base, inclusive, para a elaboração da redação de uma nova portaria sobre o tema. Dias depois do início da consulta, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2404), ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), contra o dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – artigo 254 –, que classifica como infração administrativa a transmissão de programa de rádio ou televisão em horário diverso do autorizado pelo governo. O julgamento foi suspenso no dia 30 de novembro. O ministro Joaquim Barbosa fez pedido de vista do processo.

Passados cinco meses, o tema não voltou à pauta do STF. Fato que vem adiando a publicação da nova portaria, como informa a diretora do Dejus, Fernanda Alves dos Anjos. Em entrevista à revistapontocom, Fernanda, no entanto, garante que nada muda com o novo documento. “Fundamental destacar aqui que mesmo com uma nova portaria, as bases da política pública da classificação indicativa permanecem as mesmas”, afirma.

Na entrevista que se segue, Fernanda também fala do diálogo entre o Dejus e as emissoras comerciais de tevê e responde aos questionamentos de que a classificação indicativa é um dos empecilhos à produção audiovisual para crianças e adolescentes.

Bases da classificação indicativa permanecem as mesmas

O Dejus promoveu – de novembro de 2010 a março de 2011 – uma ampla consulta pública sobre a classificação indicativa da programação da tevê. Os resultados ainda não foram divulgados. A sociedade tomou conhecimento de alguns retornos, apenas por meio da imprensa. Na ocasião, foi divulgado pelo Dejus que o resultado da consulta serviria de base para redação de uma nova portaria de Classificação Indicativa. Por que o resultado ainda não foi divulgado? O que de fato ficou constatado? A consulta foi válida ou não?

Fernanda Alves dos Anjos – Sim, a consulta foi e é extremamente válida. Os resultados da participação social no debate público online sobre a classificação indicativa (http://culturadigital.br/classind/) foram bastante expressivos: recebemos mais de 60 mil acessos; cerca de 2.200 comentários e sugestões de cidadãos; além de cerca de 20 contribuições de instituições representativas, como o Ministério Público, emissoras de TV, como o SBT, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), programadores de TV por Assinatura, como a Associação Brasileira de Programadores de Televisão por Assinatura (APBTA) e a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA). O objetivo do debate público foi a atualização da política da classificação indicativa por meio da participação da sociedade. Parte do resultado disso foi o lançamento, no dia 19 de março, da última edição do Guia Prático da Classificação Indicativa (clique aquie acesse o documento), que deixam mais claros os objetivos, critérios e métodos de análise para se atribuir a classificação indicativa. A nova portaria, resultado da consulta, já foi construída e está em fase de finalização.

Mas quando, de fato, a nova portaria será publicada?

F.A.A. – A nova portaria já foi construída e está em fase de aprovação. O Ministério da Justiça aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2404) que questiona a vinculação horária da programação de TV aberta à classificação indicativa. Isso [este aguardo se dá] para que essa nova regulação se dê de forma integral e perene. Fundamental destacar aqui que mesmo com uma nova portaria, as bases da política pública da classificação indicativa permanecem as mesmas. No debate público online não houve sugestões de mudanças substanciais, até mesmo porque a classificação indicativa e o trabalho realizado pelo Ministério da Justiça são baseados tanto na Constituição Federal quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O julgamento da ADI 2404

Pode-se dizer, portanto, que a atuação do Dejus está de certa forma aguardando a resolução do STF que ainda julgará a inconstitucionalidade da classificação indicativa, tal como está posta?

F.A.A. – O que está sendo questionado no STF não é constitucionalidade da classificação indicativa. Não há qualquer dúvida de que a classificação indicativa seja constitucional. O que a ADI 2404 questiona é parte do artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que prevê possibilidade de penalização pelo não atendimento da recomendação de horário da classificação indicativa pela TV aberta. A atuação do Dejus independe do julgamento do STF. Qualquer que seja a decisão, o Ministério da Justiça continua com a competência de monitorar a programação de TV, analisar obras audiovisuais e indicar a classificação etária e a respectiva recomendação de horário para sua exibição, no caso da TV aberta. As penalidades do artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (sejam de multa ou suspensão das transmissões, em caso de reincidência da emissora de TV) já não são hoje aplicadas pelo Ministério da Justiça. São medidas determinadas somente por decisão judicial, com ampla possibilidade de contraditório, e o ministério sequer tem o poder de ingressar com essa ação judicial.

[Lembrando o caso: o julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2404), ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) contra dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que classifica como infração administrativa a transmissão de programa de rádio ou televisão em horário diverso do autorizado pelo governo federal, foi interrompido no dia 30 de novembro de 2011. O ministro Joaquim Barbosa fez pedido de vista do processo. O dispositivo em questão prevê pena de multa e suspensão da programação da emissora por até dois dias, no caso de reincidência (clique aquie saiba mais sobre o tema).]

Não cabe questionar uma decisão do Supremo

De que forma o Dejus, por meio do Ministério da Justiça, está trabalhando internamente para tentar reverter a possibilidade de o STF ser contrário à constitucionalidade do artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)?

F.A.A. – Não cabe ao Ministério da Justiça ou a seus departamentos interferir nesta ou em qualquer decisão do STF. O Ministério da Justiça tem recebido manifestações da sociedade, especialmente de históricos defensores dos direitos de crianças e adolescentes, em favor da confirmação da constitucionalidade do artigo 254 do ECA (que é o ponto questionado no STF). É possível que esta manifestação da sociedade ganhe corpo e possa influenciar uma reversão da tendência até aqui manifestada.

Caso o STF julgue inconstitucional o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que caminho o Dejus, por meio do Ministério da Justiça, vai seguir? Há alguma saída legal/jurídica para retomar o processo? Qual a orientação que o Dejus vai tomar na perspectiva positiva ou negativa do STF?

F.A.A. – Ao Dejus e ao Ministério da Justiça não cabe questionar uma decisão do Supremo e o trabalho do Departamento permanecerá, seja qual for a decisão do STF. O Ministério da Justiça continuará com a competência de monitorar a programação de TV, analisar obras audiovisuais e indicar a classificação etária, com a respectiva recomendação de horário de exibição e, ainda, informar às autoridades competentes, sempre que verificar o desatendimento destas recomendações.

Demanda engloba o trinômio sexo, drogas e violência

Em relação à classificação indicativa, o Ministério da Justiça/ Dejus recebe alguma orientação específica de trabalho do governo da presidente Dilma Rouseff?

F.A.A. – Não. A política pública de classificação indicativa já está consolidada, com sua dinâmica de trabalho estabelecida.

Como anda o diálogo entre o Dejus e os canais de televisão? A incompreensão e as discussões ainda são grandes?

F.A.A. – O Ministério da Justiça tem um bom diálogo com as emissoras de TV. Houve uma grande aproximação desde a realização de oficinas da classificação indicativa, a partir de 2009, e da objetivação dos métodos e critérios da classificação indicativa, consolidados no Guia Prático da Classificação Indicativa (o primeiro lançado em 2009 e o segundo, ainda mais claro e objetivo, lançado em março deste ano). Hoje há critérios e métodos claros para se atribuir a classificação, elaborados com a participação da sociedade. Todo o processo de classificação é público e transparente. Tanto que, no ano de 2011, de cerca de 5.500 filmes, episódios e capítulos autoclassificadas pelas emissoras e posteriormente analisados pelo monitoramento do Ministério da Justiça, resultaram apenas 48 advertências por irregularidades. Isso representa algo inferior a 1%. Também o número de reclassificações (indeferimento da autoclassificação) é inferior a 10%, ou seja, em mais de 90% das vezes há concordância entre emissoras e Ministério da Justiça.

Canais de TV aberta culpam, em parte, a política de classificação indicativa por inviabilizar a criação/produção de programas voltados para crianças, devido aos critérios utilizados para a classificação. Como o Dejus responde a este questionamento?

F.A.A. – Crianças podem ser influenciadas pelo que experienciam na TV ou em outros meios audiovisuais e, ao longo de seu desenvolvimento, as crianças passam por diferentes estágios de amadurecimento mental e emocional. A exposição a alguns conteúdos audiovisuais como violência, sexo, e uso de drogas (que são os critérios da classificação indicativa), podem, por exemplo, causar medo, imitação, dessensibilização ou naturalização da violência, sexualização precoce e despertar para o uso de drogas. Por isso, é necessário que existam parâmetros claros para agregar esta informação à obra audiovisual. Para que os pais possam fazer a escolha do melhor divertimento para os seus filhos, é preciso informação. E é isso que faz a classificação indicativa: informa. Os pais e responsáveis por crianças e adolescentes – e só eles – é que devem fazer as restrições e proibições. A classificação indicativa certamente representa restrições bem menores à criação e produção de programas do que algumas imposições comerciais, tais como o interesse dos patrocinadores, o merchandising e o apelo dos índices de audiência. O problema e a dificuldade das emissoras não é a produção de programas voltados para criança – aí estão canais como a TV Ra Tim Bum, Futura, e mais alguns da TV por assinatura – que têm programação de qualidade voltada exclusivamente para esse público, mostrando que isso não é impossível ou extremamente difícil. O desafio das grandes emissoras de TV aberta, na realidade é a intenção de fazer programas para todos os públicos. Para atrair o público adulto, a demanda de realismo engloba o trinômio sexo, drogas e violência, que não é conciliável com uma formação saudável de crianças e adolescentes.

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[Marcus Tavares é professor e jornalista especializado em Educação e Mídia]