O conselheiro Jarbas Valente propõe a migração de todos os serviços de telecomunicações, inclusive do STFC, para uma licença única de serviço convergente, em regime privado, com plano de metas a ser revisto a cada cinco anos. Os bens reversíveis poderão ser trocados por investimentos em redes de nova geração.
O avanço da convergência de plataformas e serviços, oferecidos em pacotes de voz fixa e móvel, dados e vídeo, seria acelerado, com benefícios para o usuário, se houvesse uma atualização do marco regulatório das telecomunicações, com a criação de uma licença única de serviços de telecomunicações, a exemplo do que já ocorre, por exemplo, na Europa, que criou o serviço universal. Tendo em vista esse cenário, o conselheiro Jarbas Valente, vice-presidente da Anatel, apresentou, durante o 29º Encontro Tele.Síntese, realizado em Brasília (17/4), a proposta de criação de um serviço convergente, a ser prestado em regime privado. A proposta, ainda em debate no âmbito interno da Anatel, se aprovada pelo conselho diretor poderá ser transformada em sugestão do órgão regulador ao novo marco regulatório em elaboração pelo Ministério das Comunicações e que será submetido à consulta pública.
Nesta entrevista ao Tele.Síntese, Valente detalha a proposta, apresenta os motivos por ter optado por colocar o serviço convergente sob a prestação em regime privado, vincula a criação do novo serviço a um plano de metas a ser cumprido por todas as empresas que quiserem migrar para o novo serviço e propõe que essas metas sejam renovadas a cada cinco anos, criando condicionantes de melhoria da prestação que hoje não exitem para os serviços que não estão sob a concessão, caso do STFC, e para aqueles que não usam frequência, caso do Serviço de Comunicação Multimídia. Explica, também, porque é interessante a rápida mudança do STFC para um novo serviço, com manutenção de suas obrigações e criação de novos condicionantes. “O serviço telefônico fixo está em declínio e perdendo receita. Não podemos esperar 2025, quando se encerram as atuais concessões do STFC, para fazer esta discussão, pois o valor dos ativos reversíveis à União estarão muito desvalorizados”, avalia. Sua ideia é de que os bens reversíveis à União sejam valorados e que as empresas sejam obrigadas, ao aderir à migração para o novo serviço convergente, a investir volume de recursos equivalentes em redes de banda larga de nova geração, com prioridade para o atendimento das regiões com pior infraestrutura de telecomunicações.
“Temos cinco grandes famílias de interesse coletivo”
A convergência de serviços e de plataformas demanda uma reorganização dos serviços na Anatel e a criação de novas licenças? O senhor tem uma proposta para criação de uma licença unificada?
Jarbas Valente – Este processo aconteceu no mundo todo. Nos países desenvolvidos, que estão sempre um pouco à frente da gente, os serviços também sempre foram, no passado, vinculados à tecnologia. Na TV paga por micro-ondas tínhamos o MMDS, o LMDS… O próprio portfólio da Anatel tinha mais de 70 serviços. Com o tempo, fomos diminuindo isso. Um exemplo clássico é o da TV por assinatura. A lei da TV por assinatura aprovada pelo Congresso Nacional, no ano passado, unificou o serviço até então dividido por tecnologias. Quando era via satélite, tínhamos o DTH; quando por microondas, numa faixa, o MMDS; noutra, o LMDS, a TV a cabo… E assim foi. Até que tudo foi unificado em um serviço só, o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC). A Anatel já vinha fazendo isso nos demais serviços.
Qual é o cenário hoje?
J.V.– Agora, chegamos a um nível no qual temos cinco grandes famílias de serviços, todos públicos, de interesse coletivo. Neste grupo, temos um que é prestado em regime público, e também em regime privado, que é o STFC. Os demais, são todos prestados em regime privado. Um deles, inclusive, o SeAC, define em lei a prestação em regime privado. O STFC também, por lei, é caracterizado como serviço público…
“É bom frisar que os serviços não deixam de ser públicos”
Mas, afinal, qual a vantagem de se ter uma licença de serviços convergentes?
J.V.– Hoje, como damos outorgas individuais, e a legislação permite que seja dada para a mesma empresa uma outorga individual para cada tipo de serviço, quando a empresa comercializa para o usuário final, vende os serviços um por um. Aí surgem as dificuldades para a Anatel discutir se se trata ou não de venda casada. Assim, a primeira vantagem de uma outorga única (na Europa, temos a autorização universal para serviços de comunicações) é o fato de a empresa vender ao usuário final um conjunto de serviços, definir o preço total, e descrever o valor de cada serviço. Isso quer dizer que cada serviço continua a existir individualmente, mas o usuário final adquire um conjunto. Isso facilita muito para o usuário.
Qual a dificuldade para chegar lá?
J.V.– Isto só é possível se os serviços estiverem todos sob um mesmo regime.
Em sua proposta de criação de um serviço único convergente, o senhor considerou tanto a possibilidade de estarem todos sob regime público quanto sob regime privado. Por que considerou este segundo como o melhor caminho?
J.V.– Por que a gente colocou, à época, o STFC em regime público? É bom resgatar a origem, lá em 1995. Primeiro, porque queríamos universalizar um serviço que não estava universalizado. Ele tinha de estar capilarizado no Brasil todo. Então, precisávamos ter segurança para trocar de mãos um patrimônio público, no caso a Telebras e sua infraestrutura. Mesmo adquirindo 18% das ações, os compradores privados teriam o direito de administrar as operadoras do STB. Nossa maior dúvida era se colocávamos uma golden share, como fez Portugal, ou, se não fosse isso, qual seria a alternativa. A opção jurídica, criada pelo Sunfeld (o advogado Carlos Ari Sunfeld, que assessorou o governo na formulação da Lei Geral de Telecomunicações ), foi estabelecer o regime público para a telefonia fixa, o serviço a ser universalizado, com algumas garantias. A principal delas, a reversibilidade à União dos bens necessários à prestação do STFC. Caso a licitação não fosse um sucesso, e as empresas não dessem conta no prazo de cinco anos de universalizar a prestação do serviço, o Estado tornaria a reassumir. E no dia em que houvesse competição suficiente, a ideia imaginada naquela época é que mudaríamos o regime do STFC. Sairíamos do regime público para o privado. É bom frisar que os serviços não deixam de ser públicos, porque, por definição, são públicos todos os serviços cedidos por autorização, permissão ou concessão.
“O Estado assume o serviço caso ele deixe de ser prestado”
Mas qual a vantagem de colocar o serviço convergente como serviço prestado em regime privado e de migrar o STFC para o regime privado?
J.V.– Hoje, quando a gente analisa a situação do STFC, constata que o serviço público está universalizado. Todas as localidades com mais de 300 habitantes têm oferta do serviço nas residências, ou seja, têm rede. E já tem empresa que presta o STFC no regime privado, empresa chamada nova entrante que não é concessionárias desse serviço, que é maior do que uma concessionária de STFC no regime público. Então, a pergunta: qual a diferença do regime público para o privado? Basicamente, as obrigações e os condicionamentos a que o serviço prestado em regime público está sujeito. Então, se criarmos uma nova estrutura regulatória e nela amarrarmos um planos de metas, vamos garantir a continuidade dos serviços e os compromissos a eles relacionados.
Há uma certa confusão na sociedade sobre o que é e o que não é público, serviços em regime público e em regime privado. Quando o senhor afirma que todos os serviços de telecomunicações são públicos, mesmo aqueles prestados em regime privado, o que quer dizer com isso? Qual a garantia que a sociedade tem sobre a continuidade do serviço, no caso, por exemplo, de uma empresa privada quebrar?
J.V.– No caso do serviço em regime público, deixamos explícito na legislação que o Estado assume o serviço caso ele deixe de ser prestado pela concessionária. No caso do serviço privado, a intervenção do Estado está implícita porque a Constituição Federal, em seu artigo 21, diz que quando um serviço é explorado na forma de concessão, permissão ou autorização, ele é do Estado, é público. Então, todos os serviços são públicos. E também está na Constituição que o Estado tem de manter o serviço. Se um serviço é público, está na Lei de Concessões que o Estado tem manter os serviços dados por autorização. Assim, se uma grande empresa do Serviço Móvel Pessoal (o SMP é prestado em regime privado), que é fundamental para o país, estiver com problemas, temos de intervir nela e assumir a operação até que ela seja vendida. Ou mesmo uma empresa pequena, quando pede uma renúncia à Anatel para deixar de prover o serviço, a agência só torna viável essa renúncia depois de verificar como ficam sua infraestrutura e seus assinantes.
“A concessão é mais abrangente que uma autorização”
Em outros países, os serviços de telecomunicações são prestados em que regime?
J.V.– São todos serviços públicos, mas sem as distinções que temos no Brasil de regime público e regime privado. O que há, como nos nossos serviços privados, são os contratos, em cujas autorizações se amarram todas as obrigações das empresas junto ao regulador.
Nos países europeus, mesmo a universalização da banda larga, prestada por empresas privadas, é feita por contratos de autorização? Essas autorizações têm contrapartidas?
J.V.– Têm, sim. O que se alega do ponto de vista legal quando se tem uma concessão é que ela é mais abrangente, mais robusta do que uma autorização. Do ponto de vista legal, o Estado teria mais condições de intervir e de fazer qualquer ajuste nas empresas. Mas a experiência que a gente tem aqui na Anatel mostra que intervimos muito mais em empresas que operam em regime privado do que naquelas que exploram os serviços em regime público, porque nestas é preciso manter o equilíbrio econômico-financeiro, é preciso calcular isso. No regime privado, não. Mudamos o SMC para o SMP, de concessão, para autorização. E criamos incentivos no SMP, depois criamos regras e obrigações para o serviço, aproveitando cada licitação de radiofrequência que era realizada. Ao longo do tempo. Obrigações na regulamentação, de atendimento ao usuário final. Lojas, preços. Agora, com a provável queda da remuneração de rede, a VU-M, estamos intervindo no mercado constantemente. A garantia que tem de haver no regime privado são os compromissos que as empresas têm junto ao órgão regulador, para dar segurança ao cidadão.
“No regime privado, é difícil renovar compromissos ou criar novos”
Na sua proposta de serviço convergente, como ficam as obrigações?
J.V.– Estamos propondo que os contratos que sejam revisados a cada cinco anos. E isso vai valer para todas as empresas que aderirem, mesmo as não concessionárias.
Voltando ao tema anterior, por que o senhor deu preferência ao regime privado? Quais são as contrapartidas?
J.V.– Discutimos muito tudo isso aqui quando saiu o SeAC, todo ele em regime privado mediante autorização. E a gente tinha TV a cabo como concessão, mas em regime privado e com obrigações. No SeAC, tentamos criar obrigações. No final, ficou claro, que para os novos entrantes não há obrigações, só para o prestadores que já tinha adquirido a concessão. Como no SCM, onde o interessado só tem de ter outorga quando solicita prestar o serviço junto ao órgão regulador. Depois, não tem mais prazo, a Anatel não renova. Vimos que quando o serviço prestado no regime privado não envolve o uso de radiofrequência, que tem prazo definido, é meio difícil renovar os compromissos ou criar novos. Então, nos perguntamos o que fazer para garantir que o regime privado ficasse parecido com o público, com concessão de 20 anos, mas com revisão do contrato a cada cinco anos. Ora, como numa autorização no regime privado não há prazo determinado, teríamos de criar algo parecido. Por isso, estamos propondo a revisão do plano de metas a que as empresas estarão obrigadas a cumprir a cada cinco anos.
“As razões que levaram à opção pelo regime privado”
O senhor ainda não disse quais as questões de fundo, que levaram à preferência pelo regime privado…
J.V.– Na Anatel, minha experiência como superintendente de serviços privados mostra que é muito mais fácil intervir num prestador em regime privado, com a criação de novas obrigações, do que num prestador em regime público, que tem, em uma das cláusulas da concessão, a questão do equilíbrio econômico-financeiro, cujo cálculo é extremamente difícil e nos dificulta criar mais obrigações. No regime privado isso não existe. Mas, é claro, nunca criaríamos obrigações que pudessem prejudicar o equilíbrio das empresas. E também, por haver muita competição, é muito mais fácil as empresas aceitarem as obrigações. O que não acontece no regime público. E a ideia é que, tendo competição, é mais fácil trabalhar com essas regras.
Então, por isso, a opção pelo regime privado?
J.V.– Além disso, nos cinco serviços que compõem a licença única, o SeAC é privado, por lei; o SCM, que é banda larga fixa, é privado; o SMP, que é voz e banda larga móvel, é privado; o SME, que é voz, despacho, é privado; o STFC está nos dois regimes – público e privado. Portanto, a maioria absoluta dos serviços no Brasil são prestados no regime privado. Hoje, o STFC no regime privado já tem uma fatia de mercado de uns 30%. A Embratel, hoje, em termos de acesso, já é maior do que a antiga Brasil Telecom. Sem dúvida, juntas, Embratel e GVT são maiores do que a antiga Brasil Telecom. Outra razão levou à opção pelo regime privado: nas tecnologias novas, quando se coloca a banda larga em casa, e se trabalha no protocolo IP, consegue-se criar aplicações que atendem a todos os segmentos. Temos a VoIP, IPTV e IP para outras coisas. Com isso, facilita-se o atendimento do usuário que quer falar. E falar vendo a pessoa do outro lado, pelo Skype, por exemplo. Hoje, a Embratel está usando VoIP no STFC. E as concessionárias hoje não usam VoIP, por conta da exigência de não interrupção no serviço, que ocorre quando falta energia e a conexão à internet não funciona. Por isso, a integração no padrão NGN mantém o STFC nas várias tecnologias utilizadas, até que a evolução tecnológica possa garantir a continuidade do serviço.
“Conseguimos telefonia móvel em todos os municípios do Brasil”
E essa separação implica ter redes separadas, não é?
J.V.– Sim, as redes são separadas, até um dia ser possível ter uma só, daqui a uns dez anos, talvez.
Mas hoje, a concessionária, ao decidir investir, em função dos regimes diferenciados, das obrigações e da reversibilidade dos bens, não investe na tecnologia mais moderna para voz…
J.V.– É verdade, principalmente por causa de interpretações, fica a dúvida se elas investem no regime privado ou no público. Está tudo muito misturado. Por exemplo, a Embratel tem vários transponders usados para telefonia que são bens reversíveis. E assim, toda a infraestrutura dela. Essa diferenciação de regimes tem dificultado os investimentos das empresas. Como conseguimos universalizar a telefonia fixa e a móvel, com produtos substitutos, a móvel com certeza virá a manter as obrigações que tem hoje com o STFC com o cabo na rua, via móvel, com o produto substituto também. As obrigações do STFC serão atendidas com outras tecnologias.
Ao propor contrapartidas a todas as empresas que vierem a aderir ao novo serviço, independente se serem concessionárias ou autorizatárias, não importa os serviços que ofereçam, o senhor está ampliando o universo de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações que terão que cumprir exigências. É isso mesmo?
J.V.– Exatamente. As exigências serão maiores para as concessionárias de STFC no regime público, cujas obrigações vão até 2015. A legislação obriga atendimento ao usuário em todas as localidades acima de 300 habitantes, com telefonia individual. A empresa vai continuar com as obrigações, só que poderá atendê-las sem usar a telefonia fixa, poderá usar a móvel. Mas vai atender da mesma forma. Há tecnologias alternativas que atendem. Como já conseguimos colocar a telefonia móvel em todos os municípios do Brasil, teremos a substituição de uma pela outra.
“A ideia é priorizar os estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste”
No caso específico da migração do serviço de voz da concessionária para o serviço convergente, teremos outras questões que não só o atendimento, cobertura, prazo, qualidade. Por exemplo, a reversibilidade. O prazo da concessão vai até 2025. Como fazer a migração do STFC preservando os interesses da União e da sociedade?
J.V.– Temos que estar preparados, como aconteceu agora com as renovações na energia elétrica… Pela minha proposta, ao invés de esperar 2025, se anteciparmos a licença convergente para 2014, 2016, vamos avaliar o valor dos bens reversíveis existentes para a prestação do STFC. Quanto vale isso? Vou trocar este valor em serviços que são importantes para o Estado. Troco esse valor por investimento das empresas em redes modernas. Então a empresa terá de investir todo o valor avaliado no que for estipulado, e se cumprir as metas que serão estabelecidas, poderá passar a explorar o serviço em regime privado. Se não interessar, vamos continuar com o STFC no regime público e voltar a discutir em 2025.
Vamos imaginar que os bens reversíveis alcancem R$ 200 bilhões, R$ 500 bilhões. Esse dinheiro não vai para o Estado, mas será investido pelas concessionárias em áreas a serem determinadas, basicamente na melhoria da qualidade das redes de banda larga, de nova geração. É isso, então?
J.V.– Exatamente. E a ideia que sugeri é priorizar os estados mais carentes do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, e complementar os demais que estão melhor servidos em capacidade de banda larga, principalmente na vazão dos municípios que vão demandar cada vez mais, e nos anéis ópticos que precisam ser feitos nas grandes cidades. A ideia é trocar aquele valor por investimentos que vão ficar com as próprias empresas. Mas teremos o atendimento em banda larga, que é o que o Estado quer, o que, sabidamente, aumentará o PIB do país.
“A sociedade do futuro será a da comunicação interativa”
Na verdade, quem ficará com o dinheiro é a própria empresa que migrar para o regime privado…
J.V.– Isso mesmo, só que o dinheiro tem endereço, será para investir na sua infraestrutura para atender a uma necessidade de ampliação que o Estado defina.
Pela sua proposta, parece que haverá transferência de dinheiro público para operadoras privadas…
J.V.– Essa é a primeira impressão. Mas, na realidade, não é isso. Eu diria que o dinheiro dos bens reversíveis é quase virtual, é de alguma coisa que está lá fisicamente – os prédios, as torres, os cabos, toda a infraestrutura que as empresas têm para prestar o STFC – e que discutiríamos em 2025. Pela lei, se a concessão não for renovada, o Estado terá de devolver o valor dos bens reversíveis à empresa privada. E esses bens, como sabemos, estão perdendo valor, porque a voz fixa está perdendo espaço no mercado. Então, o que estamos propondo é que, ao invés de o Estado indenizar a empresa privada em 2025, e assumir a prestação do STFC, ele faz a troca agora, quando os bens reversíveis ainda valem mais, define o dos bens e obriga as empresas a investir o equivalente na ampliação da infraestrutura do serviço convergente autorizado, que continua a ser um bem público.
O senhor acha que isso é bom para a sociedade?
J.V.– Acho. E não há dúvida, porque a sociedade do futuro será a sociedade da comunicação interativa. Vamos precisar cada vez mais de altíssimas velocidades para interligar todos os municípios brasileiros e, depois, também, interligar dentro o próprio município.
“Queremos três grandes empresas, cada uma com sua rede
A sua proposta é arrojada e polêmica porque há no país, na sociedade civil, a convicção, talvez em função de nossa herança patrimonialista, de que o serviço, no regime público, com reversibilidade dos bens, tem maior controle por parte da União. Como é lidar com isso?
J.V.– Estou no setor há muito tempo. Sempre achei que o Estado é maior do que tudo. É ele que provê as facilidades para a sociedade. Em 1988, lutamos muito para garantir o monopólio estatal. Participei de um grupo, junto com o Bittar, o Walter Pinheiro e outros. Nosso medo era que se fizesse no Brasil o que fora feito nos outros países da América Latina, uma lei que concedesse esses serviços para a iniciativa privada sem um critério bem definido, com garantias para a sociedade. Entramos na Justiça e suspendemos liminarmente um edital (de privatização do serviço de telefonia móvel) que já corria no Ministério das Comunicações para abrir o setor. O ministro era o Antonio Carlos Magalhães (governo Sarney). Caso contrário, o setor ficaria nas mãos de pouquíssimos grupos, sem ter uma estrutura competitiva. Nossa luta, naquela época, era para manter o monopólio até se ter regras claras que permitissem abrir o mercado, com segurança. Quando se abriu, foi feito com regras claras, em 1995. Regras que evitassem a quebra de um bem público, um bem transformado em concessão, permissão ou autorização. Vimos que no mundo todo isso era feito em regime privado, com resultados extraordinários. Mas tínhamos de passar por um período de transição e no dia que tivéssemos uma competição muito forte, tudo seria feito em regime privado. Entendo o que está na alma nossa de latinos, de que o que o Estado faz é nosso, o que as empresas privadas fazem não é. A gente tem de ter a consciência de que não é preciso o Estado estar fazendo tudo, prestando todos os serviços público. A gente tem é de controlar o que o Estado repassa para a iniciativa privada muito bem controlado, fiscalizado, para que também seja nosso. Esse é um ganho que a gente vai ter. Aprendemos ao longo do tempo com o serviço em regime privado. Hoje, temos 250 milhões de acessos cobrindo todo o país, e com competição. Com quatro grandes empresas. E o que pesa muito para nós quando discutimos é que queremos ter, no novo modelo, pelo menos três grandes empresas nacionais com redes. Cada uma com sua rede. Porque tendo rede, tem competição. Nossa meta, em todo o trabalho que fizemos, é ter, nos serviços intermunicipais, três grandes empresas, no mínimo. E, no âmbito local, várias empresas, tantas quantas forem possível, desde que a gente dimensione e qualifique claramente qual o preço dessas vazões que serão dadas aos municípios. Com competição, conseguiremos garantir isso. E garantir o controle do Estado o tempo todo.
“Todos temos consciência da importância da convergência”
Qual o papel da Telebras no contexto de sua proposta que visa, sobretudo, a estimular a convergência?
J.V.– A depender de como o governo vai estruturá-la, a Telebras pode ter um papel importantíssimo, porque as redes das empresas de energia elétrica, cuja infraestrutura de fibras ela utiliza, são importantíssimas. É preciso ter alguém para administrar isso, para fazer troca ou ceder aquela infraestrutura para empresas que estão na ponta. A Telebras pode ter um papel de equilíbrio nisso. Há muitas empresas que talvez não tenham condições de investir e se a Telebras puder colocar à disposição a infraestrutura para aqueles que queiram prestar o serviço na ponta, ela continuará a ter o seu espaço.
O senhor mencionou a possibilidade de casar o plano de metas do novo serviço convergente com as obrigações relativas aos grandes eventos esportivos. Considera isso viável no tempo?
J.V.– Acho viável. O ideal era ter feito isso em 2010. Estamos com dois anos de atraso. Mas é possível fazer muita coisa nos 12 municípios onde haverá jogos, e em outros grandes municípios, pelo menos nos que têm mais de 500 mil habitantes. Há tempo ainda até 2014, mas se não der teremos as Olimpíadas em 2016. Mas como as empresas sempre surpreendem…
É tempo suficiente para fazer o que?
J.V.– Para atender às novas metas que serão colocadas na troca. Quando colocamos vantagens para as concessionárias que antecipassem as metas em 2001, não tínhamos muita certeza de que as empresas iam aderir, e muitas anteciparam para poder prover outros serviços. Foi uma surpresa, um investimento extraordinário. Agora, poderá acontecer algo parecido.
Qual o calendário para o debate interno da proposta dentro da Anatel? Se houver consenso, ela será formalizada ao governo?
J.V.– Não sei se será exatamente essa proposta. Na Anatel há um grupo trabalhando para levar uma proposta ao governo federal. Somos cinco conselheiros, cada um tem uma posição, uma visão. Temos as áreas técnicas estruturadas por serviços, cada uma defende suas propostas de forma bastante aguerrida. Teremos de chegar a um consenso. Vamos tentar fazer isso o mais rapidamente possível, mas estamos trabalhando nisso paralelamente à reestruturação da Anatel, já com vistas a um sistema mais convergente.
O mais rapidamente possível seria até o segundo semestre?
J.V.– A ideia é que até o segundo semestre tenhamos amadurecido uma proposta na Anatel para encaminhar algo ao Ministério das Comunicações. Todos na Anatel temos consciência da importância da convergência porque a evolução tecnológica é muito rápida. E temos de acompanhar essa evolução do ponto de vista regulatório.
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[Lia Ribeiro Dias, do TeleSíntese]