A Lei de Acesso à Informação ainda não estará em plena execução no dia 16, quando começa a valer no País, avisa o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage. “No dia 16 de maio que ninguém espere que os serviços de prestação de informação estejam funcionando totalmente, azeitados e lubrificados com grau máximo de eficiência. Isso sem dúvida nenhuma não será possível nessa data”, disse o ministro, em entrevista aoEstado de S.Paulo.
Qualquer um poderá apresentar pedido de acesso a informações a órgãos públicos, sendo vedadas “exigências relativas aos motivos determinantes” das solicitações. A experiência brasileira, no entanto, não repete a do México, que criou o Instituto Federal de Acesso à Informação e Proteção de Dados (Ifai), órgão independente que zela pelo cumprimento das regras. No âmbito do Executivo federal, esse papel será assumido pela própria CGU.
Tendo a publicidade como regra e o sigilo como exceção, a lei brasileira entra em vigor no momento em que o País passa por mais um escândalo – as conexões do contraventor Carlinhos Cachoeira.
“A lei é um instrumento extraordinário na prevenção da corrupção a médio e longo prazos”, disse o ministro.
Para Hage, a CGU não demorou para instaurar o processo de inidoneidade da Delta Construções – pivô do lamaçal por supostas ligações de seus funcionários com Cachoeira. A construtora poderá continuar com as obras já em andamento, mesmo que seja condenada.
O sr. já disse que o prazo de seis meses não é suficiente para garantir a plena adoção da Lei de Acesso à Informação. Do ponto de vista do Executivo federal, o que vai estar funcionando na quarta-feira [16/5]?
Jorge Hage – Esse prazo foi o maior desafio, mas vejo nele uma vantagem: fez com que todo mundo se mobilizasse e se movimentasse com uma velocidade de resposta maior do que se tivéssemos três anos (para adotar a lei). Quando se tem três anos, a tendência é relaxar, descansar. Aqui não tínhamos tempo nenhum a perder.
No dia 16 de maio que ninguém espere que os serviços de prestação de informação estejam funcionando totalmente, azeitados e lubrificados com grau máximo de eficiência. Isso não será possível nessa data, mas em seis meses estaremos melhores. Isso é um processo gradual de aperfeiçoamento, mudança de cultura, formação de consensos em torno da interpretação da lei.
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), já disse que a lei seria capaz de fazer WikiLeaks da história do Brasil. Na sua opinião, quais serão os efeitos da nova legislação no dia a dia do cidadão comum?
J.H. – O que eu acho é que a lei vai tornar desnecessário o WikiLeaks. Vamos talvez desempregar muita gente aí que trabalha dentro da ideia de WikiLeaks, hackers, para ter acesso à informação. Queremos ampliar cada vez mais a transparência espontânea, aquilo que a administração torna disponível nos sites, para assim reduzir a necessidade de pedido dos cidadãos.
Ao contrário do México, o Brasil não vai contar com um órgão independente para monitorar a manutenção da lei. Isso não pode comprometer o seu êxito?
J.H. – O Congresso não criou (um órgão independente) porque não quis, certamente porque entendeu que já temos órgãos de controle externo suficientes, temos o Tribunal de Contas, o Ministério Público, o próprio Congresso. Não terei a menor dificuldade por falta de autonomia, como nunca tive nesses nove anos em que estou aqui. Nunca tive nenhuma limitação.
O mundo será dividido entre governos abertos e fechados, na opinião da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. O sr. concorda? A transparência é um fenômeno irreversível?
J.H. – Não tenho a menor dúvida disso, porque a transparência é uma dimensão mais nova da democracia. O Brasil já tinha atendido a 15 dos 16 pontos exigidos da iniciativa Governo Aberto. O único que faltava era uma lei que regulasse o procedimento para a transparência passiva, a que existe por demanda. Essa lei é uma das mais modernas, amplas e abrangentes do mundo, contempla todas as três esferas em todos os poderes e chega até às ONGs que recebem dinheiro público.
A lei entra em vigor no País no momento em que o noticiário é inundado por mais um escândalo de corrupção. Há uma epidemia de malfeitos no País?
J.H. – Não, tem uma epidemia de investigação, de denúncia e divulgação, o que é muito bom para o Brasil. A corrupção está sendo revelada, detectada e combatida. O ruim é quando isso tudo estava como um esgoto subterrâneo, com toda a podridão escondida. Estamos rompendo isso.
A CGU participou da Operação Mão Dupla (que detectou esquema de fraudes em licitações de obras do Dnit), em 2010. Por que só agora decidiu instaurar um processo para declaração de inidoneidade da Delta Construções, foco da CPI do Cachoeira?
J.H. – O inquérito só nos chegou em 2011. Antes disso a gente não pôde fazer nada. Imediatamente instauramos processos administrativos disciplinares contra todos os agentes públicos envolvidos. A informação, sendo restrita ao Ceará, não me dava elementos suficientes para instaurar um processo de inidoneidade que atinge o Brasil inteiro. No momento em que agora começaram a surgir as notícias e revelar que a coisa não é restrita ao Ceará, aí imediatamente mandei instaurar. É uma coisa maior, está no Centro-Oeste, está aqui, ali.
Se a Delta for declarada inidônea, pode continuar com os contratos já firmados?
J.H. – Se for declarada inidônea, não pode participar de novas licitações. Os contratos que estão em curso não são rompidos automaticamente, depende da avaliação do gestor público competente, que deve levar em conta o que é melhor para o interesse público. Se uma obra está 70% pronta, e a empresa vem fazendo o serviço, vai rescindir o contrato? Vai ter de chamar a segunda para fazer pelo preço da primeira o resto de obra. Alguma segunda colocada vai se interessar? Não vai… Pode ser muito mais recomendável para o interesse público continuar (a obra) até concluir, mas isso é uma avaliação caso a caso.
Citando o juiz norte-americano Louis Brandeis (1856-1941), o sr. lembrou que o melhor desinfetante é a luz do sol. Será preciso de muita luz do sol por aqui, não?
J.H. – Tanto quanto em qualquer outro lugar.
Para a Lei de Acesso pegar, é fundamental a mobilização. Os brasileiros vão se engajar?
J.H. – Alguns países, como a África do Sul, tiveram de iniciar campanhas de disseminação da lei para que as pessoas passassem a utilizá-la. Não aposto nisso. Nos preparamos para enfrentar uma explosão de demanda por informação. Só os repórteres já vão dar conta da demanda.
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[Rafael Moraes Moura, do Estado de S.Paulo]