Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

“Imposto na telefonia é um escândalo”

Aproveitando a inclinação da presidente Dilma Rousseff em cortar os impostos e encargos que encarecem as contas de luz, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, propõe que a redução das tarifas também barateie as contas de telefone dos consumidores. Para isso, porém, o governo teria de comprar a briga com os Estados, uma vez que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o que mais pesa no preço das ligações.

Em entrevista ao Estado, Bernardo avaliou que a alta carga tributária dos serviços de telecomunicações – classificada por ele como um “escândalo” – limita a expansão do setor, que nos últimos anos já tem crescido a um ritmo bem acima do verificado no restante da economia. Mas um eventual corte nos tributos, acrescentou, seria condicionado a um maior equilíbrio nos planos oferecidos pelas operadoras, sobretudo nos chamados pré-pagos.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo vai cortar os impostos e encargos da conta telefônica, a exemplo do que pretende fazer na conta de luz?

Paulo Bernardo– Não posso dizer se a presidente vai reduzir isso. Há 15 dias fui consultado e mostrei a ela alguns quadros sobre os tributos do setor de telecomunicações, que eu acho – para falar o mínimo – um escândalo. E estamos falando de serviço, do que é cobrado nas contas telefônicas. Ela disse que ia conversar com pessoal da Fazenda, mas eu ainda não fui comunicado.

O que teria mais efeito, cortar na tributação federal ou nas estaduais?

P.B. – Eu acho que nós devemos mexer em tudo. Na verdade, eu acho que o ICMS estadual é muito, muito, muito alto. Se você pega uma conta de telefone de R$ 100, por exemplo, a carga de impostos é de até R$ 43, dos quais R$ 35 são só o ICMS. Se comparar com o total da fatura, o tributo estadual é de 35%, mas se comparar só com o que de fato foi o custo do serviço utilizado pelo cliente, a proporção chega a 50%.

O difícil é convencer os governos estaduais a abrirem mão dessa receita.

P.B. – Primeiro nós temos de respeitar o fato de que os Estados têm suas contas para pagar, e os secretários e governadores têm suas preocupações com o orçamento. Mas acho que tirar só a carga federal não vai resolver, temos de convencer governadores a tirar um pedaço. Há Estados que cobram 27%, outros cobram 30% e alguns 35% de ICMS. Eu defendo, por exemplo, que baixemos tudo para 25%.

Mas o cenário político permite essa negociação com os governadores?

P.B. – Se não for esse o momento, que façamos adiante, daqui a um ano. Mas a gente tem a obrigação de apontar o problema. Mais de 60% da arrecadação dos Estados é com o ICMS de combustíveis, automóveis, telecomunicações, energia e bebidas. No caso das telecomunicações, é um recolhimento fácil e invisível, porque a secretaria estadual de Fazenda recebe cinco ou seis boletos das companhias e arrecada de toda a população. O consumidor nem percebe.

O senhor já pensa em uma estratégia para fazer isso?

P.B. – Podemos fazer um plano e ir desonerando aos poucos, eu não quero desequilibrar as finanças de ninguém. O mercado brasileiro está crescendo e isso significa uma receita extra que está entrando para todo mundo, para o governo federal e para os Estados. Eu acho que, se baixarmos os impostos, o mercado não vai mais crescer 130% como nos últimos 15 meses, vai crescer 250%, vai bombar. A tributação hoje é uma barreira ao crescimento dos serviços. Com essas alíquotas, você acaba limitando a expansão do setor, porque uma pessoa que gasta R$ 100 todo mês poderia estar telefonando muito mais.

E quem tem um plano pré-pago liga menos ainda.

P.B. – O usuário do serviço pré-pago ainda paga mais caro. Podemos propor a redução da carga tributária desde que empresas acabem com esse pré-pago absurdo. No pós-pago, o cliente gasta em média R$ 54,33 para falar 100 minutos, enquanto no pré-pago a mesma duração de chamadas custa até R$ 135,37. Com esses valores, os impostos pagos no pós-pago são de R$ 23,36, enquanto no pré-pago custam até R$ 58,20. Ou seja, uma carga tributária duas vezes e meia maior para a mesma quantidade de minutos. É uma tragédia.

Como o serviço chegou a essa distorção tão grande? Faltou regulação e fiscalização por parte do governo?

P.B. – O problema está na chamada tarifa de interconexão, que já começamos a atacar. Hoje as companhias habilitam aparelhos pré-pagos para quem não tem condições de colocar crédito, mas são remuneradas sempre que esses clientes recebem ligações. É o fenômeno do celular “pai de santo”, que só recebe. O valor pago de operadora para operadora é de R$ 0,54 por minuto, mas a Anatel já decidiu diminuir esse custo em 30% até 2014. Já falei com o (presidente da Anatel) João Rezende para começar os estudos para diminuir mais. E já avisei as empresas que nos vamos reduzir mais. Hoje, os consumidores têm vários chips para falar com cada uma das operadores e nem sabem que elas ganham com isso.

A desoneração para os smartphones pode sair ainda este ano?

P.B. – Eu mostrei para presidente Dilma os dados do crescimento do setor. Ela disse que quer desonerar e me mandou falar com a Fazenda. Estão fazendo as contas lá. Acho que desonerar vai ser importante porque as fábricas devem vir pra cá para produzir equipamentos com base no sistema operacional Android, na faixa de R$ 300 a R$ 400, com condições de pagamento em até dez vezes com as operadoras. Isso vende igual pipoca.

Mas o serviço hoje de internet móvel já não é satisfatório, mesmo nas grandes cidades. As redes aguentarão essa nova demanda?

P.B. – Acho que as empresas não se prepararam para o crescimento do mercado, fizeram um planejamento conservador de 30% de expansão e tivemos 130% a mais de usuários. E acho que o Estado também não se preparou e exigiu esses padrões de qualidade antes. Poderíamos ter votado os regulamentos de compartilhamento, competição e qualidade antes, temos de assumir que também falhamos nisso, mas nós estamos fazendo. Estamos exigindo investimentos das empresas e estamos dando condições, com desoneração para a construção das redes.

O governo vai mesmo alterar o marco regulatório para as telecomunicações?

P.B. – Há uma série de especulações, mas a verdade é que nós temos concessões que vigoram até 2025, temos revisões quinquenais e nós não temos nenhuma definição de mudança. Eu pedi para a Anatel – e estamos fazendo aqui também – estudos sobre esse modelo para não sermos imprevidentes e deixarmos chegar ao problema que está ocorrendo com as concessões do setor elétrico que estão vencendo agora. Para não criarmos um dilema faltando dois anos, um ano, começamos a fazer estudos, mas de fato não há nenhuma definição sobre isso.

E o prometido novo marco regulatório da mídia?

P.B. – Olha, ele andou bastante. Fizemos toda a revisão, preparamos os elementos para fazer uma consulta pública e acho que não pode ser encaminhado sem haver um grande debate. Conversei com a presidente e ela me orientou a fazer consultas com todos os setores e atores interessados, e nós pretendemos colocar em consulta pública, embora ainda não haja data. Pode ser neste ano ainda, e eu espero que seja.

O governo não quer assumir sozinho o ônus do projeto?

P.B. – Nós queremos fazer um debate e nem vamos colocar o projeto, mas os temas para debater. E em vez de colocarmos um projeto já no formato técnico e jurídico, vamos colocar questões. Por exemplo: político deve ter rádio e televisão? As TVs educativas funcionam bem do jeito que estão? Nós já mudamos algumas coisas por decreto, como os critérios para a concessão de outorgas para se evitar o uso de “laranjas”, mas eu acho que deveria mudar o marco todo.

Haverá mudança na limitação ao capital estrangeiro nas empresas de comunicação?

P.B. – Nós não estamos pensando em propor nada disso aí, mas não sei se na consulta vai aparecer. Até o pessoal da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) me perguntou sobre isso, mas nós não temos proposta de mudar. Eu particularmente acho que quem tem 30% pode ter 49% também, me parece que o espírito da Constituição é não permitir que haja o controle estrangeiro. Acho que tem de manter isso.

Como o marco vai tratar os sites de notícias?

P.B. – Isso é um problema. Quando fizeram a Constituição, em 1988, não havia internet e essa questão não estava posta. Então, dizer que a Constituição limitou site com capital estrangeiro não é possível. Alguém pode decidir que o espírito da Constituição vale para esse site também, mas se eu fizer isso vou parar imediatamente no Supremo Tribunal Federal (STF). Outra coisa que eu falei para a ANJ é a eficácia de uma decisão como essa. Mesmo que o STF diga: portal de notícia é órgão de comunicação e não pode ter controle estrangeiro, o cara pode montar o escritório em cima da Ponte da Amizade, do lado do Paraguai, e continuar publicando notícias em português na rede. Quem vai impedir isso?

E as concessões de rádio de TV nas mãos de políticos?

P.B. – Eu acho que não deveria ter, mas há também uma dificuldade porque a legislação hoje não proíbe. Ela diz que político não pode ser administrador de qualquer empresa, ele tem de se afastar. E por outro lado tem de haver regras que digam o que deve ocorrer com a evolução da situação.

A lei teria que dizer como fazer para sair da concessão e ainda ter uma clareza suficiente para que ele não possa simplesmente transferir para a mulher ou as filhas, como a gente sabe que acontece. Acho que a consulta pública pode dizer o que a sociedade acha de uma coisa como essa, mas depois tem de se construir a solução.

Isso resolveria a questão para o futuro, mas por que o governo não ataca as concessões irregulares hoje?

P.B. – Se você quiser hoje cassar uma concessão de rádio ou TV de uma emissora que não cumpre suas obrigações, é muito difícil. Você tem de ter decisão judicial ou então tem de votar no Congresso com quórum de, no mínimo, 40%. É um negócio dificílimo, acho que não teve nenhum caso até agora. Nós podemos colocar na consulta pública essa necessidade de uma outorga como essa passar pelo Congresso. Eu acho que a sociedade precisa tomar conhecimento dessas coisas, para inclusive apoiar a mudança. Se eu mandar um projeto para o Congresso querendo mudar isso, não vai mudar nada.

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[Eduardo Rodrigues e Anne Warth, do Estado de S.Paulo]