Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Atrocidades, revisão da anistia e impunidade

A revelação recente feita por um psicopata de que sozinho matou mais de 10 presos políticos pela ditadura militar brasileira de 1964, ao triturá-las na máquina de uma usina de açúcar no norte fluminense, feita em livro recém-lançado, é apenas a ponta de um iceberg cujo detalhamento em profundidade vai não só estremecer os mínimos alicerces da sociedade brasileira como irá exigir uma tomada de decisão pelo Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal destinada a impedir que as impunidades para além dos crimes previstos pela anistia de 1978 continuem predominando no país.

O estarrecimento do jornalista-editor Alberto Dines em seu programa de TV Observatório da Imprensa ao entrevistar os autores do livro foi o mesmo que senti numerosas vezes em que fatos como esse foram relatados nas sessões semanais do Comitê Brasileiro pela Anistia (Rio), para o qual eu e o jornalista Ronaldo Lapa escrevemos o primeiro livro-documento sobre prisões, tortura e assassinatos – Desaparecidos Políticos – com a colaboração de personalidades sensibilizadas com as violações, como Barbosa Lima Sobrinho (então presidente da ABI), Dom Evaristo Arns (arcebispo de São Paulo), Hélio Silva (historiador) e Alceu Amoroso Lima (filósofo católico). À época, o CBA era presidido pela obstinada advogada Abigail Benjamin. O CBA era o palco sinistro e democrático onde semanalmente, entre 1975 e 1979, reuniam-se familiares de presos e desaparecidos para orar, relatar sequestros e torturas, refletir, chorar, reivindicar e se articular na busca de informações sobre o paradeiro dos seus entes queridos.

Crimes contra a humanidade

O desfile de horrores começava pelo relato de sessões de tortura, choques elétricos, pau de arara durante dias, afogamentos em tanques instalados nos próprios presídios com esse fim e a soltura de aviões da FAB – Força Aérea Brasileira de presos de 800 metros de altura, como ocorreu em 1975 com o preso político alagoano Jayme Amorim Miranda, então secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro, até a trituração de presos em máquinas de usina e também sua incineração, episódio que só tem paralelo nas câmaras de gás usadas pelos nazistas para matar judeus na II Grande Guerra Mundial.

Daí, embora não caiba à Comissão da Verdade proceder a julgamento de crimes ocorridos na ditadura militar, é evidente que não será nenhum revanchismo que poderá levar o Congresso Nacional, na hora certa, a proceder à revisão da Lei da Anistia, com a formulação de uma nova lei, permitindo ao STF-Supremo Tribunal Federal a realização de julgamentos dos casos considerados crimes contra a humanidade, sejam de que lado forem, para evitar que todo esse doloroso processo não seja usado para a consolidação da impunidade, que hoje tanto mal causa à sociedade brasileira.

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[Reinaldo Cabral é jornalista e escritor]