Regulamentar é o mesmo que regular, verbo de origem latina que significa estabelecer regras para; estabelecer ordem; acertar, ajustar. Um dos papéis fundamentais do Estado é exatamente “estabelecer regras” – políticas públicas – relativas aos diferentes setores de atividade existentes numa sociedade para servir ao interesse coletivo.
Nas últimas décadas, atores sociais poderosos conseguiram tornar preponderante, em todo o planeta, a perspectiva política que postula limites estritos ao papel regulador do Estado. É o chamado “Estado mínimo” do ideário neoliberal. Os resultados desastrosos dessa política tornaram-se evidentes, a partir de 2008, com a crise global dos mercados financeiros. E suas consequências seguem fazendo estragos enormes ao redor do mundo.
É interessante notar, todavia, que, mesmo numa época em que dominou a perspectiva neoliberal, uma atividade foi e continua sendo objeto da regulação do Estado: as comunicações, reunindo os antigos setores de telecomunicações e radiodifusão e o novo espaço das TICs, as tecnologias de informação e comunicação.
Não só em vizinhos nossos como a Argentina, a Bolívia, o Equador, a Venezuela e o Uruguai, mas também na Inglaterra, ocorre intenso debate sobre regulação e autorregulação – exemplos eloquentes por si mesmos.
Normas e princípios
São muitas as razões que justificam o imperioso papel regulador do Estado nas comunicações. A mais evidente (certamente) é a revolução digital pela qual passa o setor, que dissolveu as fronteiras entre as telecomunicações (telefonia, transmissão de imagens e dados), a comunicação social (rádio, televisão) e as TICs. Esse tsunami tecnológico provoca enormes ressonâncias no conjunto da sociedade, desde a transformação radical dos modelos de negócio até a reinvenção da sociabilidade humana, que agora se espraia viroticamente pelas redes sociais.
Uma razão talvez menos evidente ao senso comum, todavia, é a centralidade cada vez maior das comunicações nas democracias contemporâneas. A universalização da liberdade de expressão adquire um caráter fundante para a construção da cidadania ativa e republicana.
No Brasil, mesmo atores historicamente resistentes a qualquer alteração no status quodo setor de comunicações dão sinais públicos de finalmente reconhecer que algum tipo de regulação do Estado torna-se inevitável e inadiável.
De fato.
Para ficar apenas nos exemplos mais eloquentes: a principal referência legal para a radiodifusão, o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/1962) completa cinquenta anos (!) no próximo mês de agosto. A Lei Geral de Telecomunicações (nº 9.472/1997), apesar de relativamente recente, entre outras questões já nasceu defasada por separar telecomunicações e radiodifusão. E as normas e princípios da Constituição de 1988 – que, pela primeira vez, trouxe um capítulo específico sobre a Comunicação Social – em sua maioria não foram regulamentados, e portanto não são cumpridos. Pior ainda, o artigo 224 que institui o Conselho de Comunicação Social, apesar de regulamentado, vem sendo descumprido pelo Congresso Nacional desde dezembro de 2006.
Consolidação democrática
Mas não se trata apenas de uma questão legal. Regulamentar as comunicações implica o Estado cumprir seu papel de garantir a universalização da liberdade de expressão, assegurar maior diversidade e pluralidade de vozes no debate público e possibilitar a construção cidadã de uma opinião pública republicana e democrática.
A realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação em dezembro de 2009, apesar de boicotada por parte dos empresários de comunicações, confirmou o tema da regulação na agenda pública. Nos últimos meses, apesar da omissão deliberada e da satanização que a grande mídia ainda faz do tema, é inegável que existe uma crescente mobilização de partidos políticos e da sociedade civil organizada em torno da necessidade da regulação das comunicações.
Por tudo isso, pela consolidação de uma democracia republicana, e em nome da maioria esmagadora do apoio popular que seu mandato tem recebido: regulamenta, Dilma!
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[Venício A. de Lima é jornalista, professor aposentado da UnB e autor de, entre outros livros, de Política de Comunicações: um balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012]