Há pelo menos quatro anos, quando conheci melhor o jornalismo científico, as questões que permeiam a cobertura das mudanças climáticas me inquietam. Com o passar dos anos tenho notado um empenho maior por parte da grande mídia, em especial a tão criticada televisão, ao dedicar espaços maiores para a cobertura de questões ligadas às mudanças climáticas, aquecimento global, efeito-estufa e sustentabilidade. Destaco essas quatro palavras porque corriqueiramente elas estão interligadas pela mídia.
Eu, que até bem pouco tempo estava por trás das rotinas de produção em uma emissora de televisão, percebia o quanto difícil era debater essas questões, primeiro porque o jornalista não domina esse assunto – e tantos outros que permeiam a ciência – e também pela dificuldade de conseguir boas fontes, pesquisadores com credibilidade na academia dispostos a dedicarem parte de seu tempo para conversar com o jornalista e explicar melhor questões complexas que permeiam o tema da cobertura. Resultado: de um lado, grupo de pesquisadores furiosos nas universidades reclamando da má qualidade do produto jornalístico, seja pelo uso inadequado de termos que a ciência não aceita, ou pelo simples fato de termos reservado pouco espaço para questões que a ciência julga importantes.
Na outra via, a população, receptora desse conteúdo e a meu ver a mais prejudicada pelo grau de alarmismo com que essas temáticas estão sendo conduzidas pelos veículos de comunicação.
Contraponto das mudanças climáticas
Ora, a busca constante do jornalista não é a verdade? E para dar conta da façanha a regra não é ouvir sempre todos os lados da história? Mas a lição de casa parece esquecida quando a cobertura gira em torno das mudanças climáticas, aquecimento global, efeito-estufa, sustentabilidade e tantas outras questões ligadas ao meio ambiente e que ganharam forças nos últimos dias em função da Rio+20. A ciência tem várias verdades. A mais aceita é a mais difundida, mas nem sempre é a única. Quem trabalha com cobertura de ciência sabe que a teoria pode ser questionada e deixada de lado a partir do momento em que outra teoria mais consistente é formulada, pois é assim que funciona e sempre vai funcionar. Não entendo a dificuldade dos nossos gatekeepers de reservarem o espaço para essa discussão nas nossas matérias, em especial as televisivas, para informar melhor o grande público.
Diante de tantas matérias assistidas, lidas e ouvidas sobre a Rio+20, senti falta de uma discussão mais profunda do que de fato acontece no mundo quanto a essas questões e quais as metas já cumpridas. Afinal, essa discussão não é recente. Há pelo menos duas décadas sabemos de reuniões com propósitos semelhantes à da Rio+20, como foi a Eco – 92, com metas idealizadas e ações mínimas executadas de fato, ao longo de todos esses anos. A Cúpula dos Povos, por exemplo, que deveria ter um maior destaque nas coberturas, passou despercebida em meio à preocupação tardia de se definir “economia verde” na Rio+20.
É diante dessas velhas questões que permeiam a cobertura de ciência que vi progressos significativos quando o assunto é mostrar lados diferentes do fato para a população. Recordo-me com otimismo de ter assistido e lido discussões em meio à temática da Rio+20, essa semana, mostrando o contraponto das mudanças climáticas que confesso nunca ter visto antes nos meios de comunicação de massa. Até então, o lado da história que chegava ao grande público no Brasil era o homem como responsável pelas alterações no clima, teoria defendida pelos pesquisadores do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC.
Nadar contra a maré
No entanto, esse é um tema com muitas dúvidas para a ciência; a única certeza que se tem é que a temperatura do planeta está mudando. As explicações para esse fato inspiram pesquisadores no mundo todo e assim como há os que defendem o homem como responsável pela mudança de clima, há, também, pesquisadores que acreditam e tem teorias sólidas que contestam o homem como protagonista desse processo e até defendem com argumentos da paleoclimatologia que esse processo de aquecimento é normal, faz parte da dinâmica da terra e que o homem só tem poder de alterar o clima em escala local e não a nível global. Essa segunda teoria que livra o homem de ser protagonista das alterações climáticas é desconhecida pela maioria da população e inclusive, por uma parcela dos jornalistas. Esse contraponto deve ser colocado em pauta para o exercício de uma comunicação livre de estereótipos e a favor da criticidade do telespectador, ouvinte e leitor.
O nosso papel de comunicar ultrapassou a barreira do informar e hoje estimulamos a sociedade a aprender, a buscar ensinamentos em meio aquilo que é veiculado. Por essa razão muito me alegrou assistir e ler matérias essa semana que abordaram essa temática das mudanças climáticas por outro viés e ouviram como fontes pesquisadores respeitados, como o professor José Bueno Conti, da Universidade de São Paulo, que estuda há tempos essas questões de forma tão ética.
Desejo que possamos melhorar a qualidade da cobertura de ciência para o grande público e que nos próximos eventos de cunho ambientalista, como a Rio+20, possamos enxergar além dos nossos sentidos e refletir sobre as questões mais profundas que cercam o tema. Sei que nadar contra a maré enraizada nesse mercado jornalístico é um desafio, mas essa quebra de modelos prontos deve ser uma busca constante para nós formadores de opinião.
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[Helaine Matos é jornalista, especialista em Jornalismo Científico e cursa Geografia na Universidade Federal do Ceará]