A neutralidade de rede emperrou, novamente, as chances de votação do projeto de lei sobre o Marco Civil da Internet. Apesar do movimento de apoio de entidades de defesa dos consumidores e provedores de conteúdo não haverá a sessão da Câmara prevista sobre o tema nesta quarta-feira, 19/9. Além de não haver acordo, passou a existir o risco de a proposta ser desfigurada com alterações substanciais no texto.
A exemplo da tentativa anterior de levar o projeto a voto, a véspera da reunião da comissão especial da Câmara que analisa a proposta foi repleta de reuniões e articulações. O governo, que nominalmente apoia a neutralidade de rede, fechou posição para que o conceito retornasse ao que se previa na versão original do projeto, elaborada pelo Poder Executivo.
“Defendemos o texto que enviamos. Se houver acordo, pode ter votação”, disse o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, nesta terça. Ao mesmo tempo era realizada uma reunião na Subchefia de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Ali, o governo decidiu que levaria ao relator, Alessandro Molon (PT-RJ) a intenção de mudar o projeto.
“Arriscado, imprudente”
Não foi a primeira vez. Em julho, na expectativa de viabilizar a aprovação, Molon já aceitara modificar parcialmente o artigo relativo à neutralidade de rede, atendendo ao que, para todos os efeitos práticos, só pode ser considerado um capricho no teor da menção às orientações do Comitê Gestor da Internet. Mesmo assim, como se viu, não houve votação.
O secretário executivo do Minicom, Cezar Alvarez, que participou da primeira reunião do dia na Presidência, explicou que a intenção é dar ao projeto uma definição menos rígida de neutralidade, de forma que ela possa ser aprimorada posteriormente, em fase de regulamentação. A pasta já expressou seu desejo de que tal regulamentação fique a cargo da Anatel.
Nesse campo, portanto, o governo da presidenta Dilma Rousseff se mostra alinhado com as preocupações das operadoras de telecomunicações, detentoras das redes por onde trafegam os pacotes de dados. As teles também já deixaram claro que se opõem ao conceito de neutralidade do Marco Civil, por entender que ele prejudica seus modelos de negócios – atuais e futuros.
O texto original do projeto tem uma definição até semelhante àquela do relatório final, mas é menos abrangente, e deixa claro que a definição da aplicabilidade do princípio dependerá de regulamentação posterior, com previsão de exceções a serem estabelecidas também em outras leis. Mas, se ajudou, não foi esse o ponto que levou ao cancelamento da votação.
Paralelamente foram articuladas pelo menos três propostas de votação em separado – ou seja, versões diferentes do projeto – que seriam apresentadas durante a sessão desta quarta-feira, pelos deputados Ricardo Izar (PSD-SP) e Eli Correa Filho (DEM-SP), além de uma costurada pelo PMDB. O alvo principal seria a neutralidade, mas havia outras surpresas.
“O relatório seria desfigurado com mudanças no conceito de neutralidade de rede e até mesmo a inclusão de questões relativas a direitos autorais. Seria extremamente arriscado, imprudente até, prosseguir com a reunião. O pior dos mundos seria fazer a votação e aprovar um retrocesso”, lamentou o relator do Marco Civil da Internet, Alessandro Molon (PT-RJ).
Cartas de apoio
O próprio Molon participou de uma segunda reunião com o governo, desta vez na Câmara, que só terminou à noite – na qual o governo insistiu em mudanças no texto. Sem acordo por enquanto, o resultado mais palpável foi um aceno para que haja uma nova tentativa de votação do projeto em outubro, após o primeiro turno das eleições municipais.
O relator defende que a lei traga uma indicação clara do que é neutralidade de rede – tarefa não será simples. Mas parece haver alguma concordância com o prazo, visto que o governo também prefere uma posição brasileira sobre o tema antes da realização, em dezembro, da reunião promovida pela União Internacional das Telecomunicações, em Dubai, para tratar de Internet.
Se as articulações contrárias ao Marco Civil como está tiveram mais sucesso, também houve movimentos de defesa do projeto. O Idec e provedores de conteúdo – Google, Facebook e Mercado Livre – divulgaram cartas em apoio ao projeto de lei. Curiosamente, em nenhuma das cartas, apesar do apoio ao texto, é feita menção ao ponto que paralisou todo processo: a neutralidade.
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[Luís Osvaldo Grossmann, do Convergência Digital]