A votação do marco regulatório que propõe regras para a internet no Brasil foi adiada pela terceira vez em três meses. De novo, a comissão especial criada para elaborar e discutir o projeto não chegou a um acordo, o que impede o envio do projeto ao plenário da Câmara dos Deputados. A razão é um embate entre empresas de telecomunicações, provedores de serviço, governo e setores que defendem a ampla liberdade no ambiente online. Em disputa está a redação final sobre a neutralidade da rede e, em menor grau, a responsabilidade de empresas como Google e Facebook por conteúdos ofensivos publicados por terceiros.
A última reunião da comissão foi adiada pelo relator Alessandro Molon (PT-RJ) por suspeita de que deputados apresentariam “voto em separado”, o que permitiria criar um texto novo logo após a rejeição do original. Ricardo Izar (PSD-SP) era um deles. “Acho um tema muito importante para ser votado em pouco tempo. Faltou debate. A sociedade foi ouvida, mas a parte técnica faltou”, diz.
Assim como ele, o deputado Eli Correa Filho (DEM-SP) foi procurado por empresas de telecomunicações e associações. “Eles (provedores de internet) são contra a neutralidade. Eles expõem a opinião deles, e a gente vai assumindo um ponto de vista com essas explicações. Por isso eu ia apresentar voto em separado”, diz. “Acho que a votação pode acontecer se flexibilizarem o artigo sobre neutralidade, porque não altera em nada o relatório. A questão toda é o CGI.”
“O CGI não é o guardião da neutralidade”
CGI.br é a sigla do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Ele foi criado em 1995 e é composto por representantes do governo, do setor privado e da sociedade civil. O impasse criado sobre a entidade está no fato de que o relatório final do Marco Civil estabelece que ela deve ser ouvida para autorizar discriminações de tráfego. Governo e teles questionam a legitimidade do CGI.br e querem que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) conste no texto em seu lugar.
“Não é que o CGI não possa ou deva ter um papel nessa regulação. O problema central é a ausência de um marco jurídico-institucional claro”, diz o professor de Direito da Universidade de Hong Kong Marcelo Thompson. “Nada garante, por exemplo, a permanência da formatação atual do CGI. Enquanto isso não for definido, de fato, não cabe a atribuição do CGI em um diploma legal.”
Para o relator, existe uma “supervalorização” da discussão. “Estão tratando como um desrespeito à Anatel. Não é nada disso. Trata-se de valorizar um órgão que é respeitado no campo da internet.” Demi Getschko, do CGI, diz que há compreensão equivocada do artigo. “O CGI não é o guardião da neutralidade. A gente daria argumentos para justificar a quebra ou não da neutralidade”, diz. “O Marco Civil é da internet e não das telecomunicações. Telecomunicações, a Anatel regula, mas a internet legalmente é ‘serviço de valor adicionado’ e isso vai além da Anatel.”
Os direitos dos usuários
O presidente da comissão especial diz que prepara uma audiência pública para debater e resolver a questão. “É preciso discutir. Votar contra o governo seria um tiro no pé. Sou a favor do CGI e sou a favor da neutralidade. Mas se tivermos que fazer um acordo a preferência é pela neutralidade”, diz o deputado João Arruda (PMDB-PR). O advogado Omar Kaminski estranha a insistência do governo pela Anatel. “Ambos têm cadeira cativa no CGI”, diz. “O princípio da neutralidade é que coloca o Brasil na vanguarda, junto de Chile e Holanda.”
O Marco Civil tem futuro ainda incerto. O relator acredita na solução rápida dos impasses para votar o projeto depois do primeiro turno das eleições. Mas, se houver mais discussão e audiências, como promete João Arruda, a votação deve demorar. Alguns deputados sugerem esperar a votação de projetos como a Lei Azeredo e a Lei de Crimes Cibernéticos, além da Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais, que ocorre em Dubai em dezembro e pode mudar regras do setor.
Enquanto isso, a ideia de estabelecer os direitos dos usuários brasileiros segue em espera.
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[Murilo Roncolato, do Estado de S.Paulo]