Mudanças na legislação de rádios comunitárias, regulamentação da publicidade dirigida a crianças, implementação de metas de qualidade para a banda larga, adoção de cotas regionais, étnicas ou raciais para a programação televisiva, transparência nos processos de outorga de concessões do espectro eletromagnético. Boa parte das bandeiras históricas dos movimentos que lutam pelo direito à comunicação no Brasil dependem necessariamente de uma disputa em nível nacional. Trata-se de políticas que, por força da Constituição, precisam ser discutidas pelo poder público federal e nela concentram-se as atividades de campanhas como a “Para Expressar a Liberdade”, que reúne dezenas de entidades do Brasil inteiro que propõem um novo marco regulatório para a comunicação no Brasil. Mas em um período em que municípios do país inteiro discutem quem serão seus prefeitos e vereadores, a sociedade civil alerta: existem muitas iniciativas que podem ser realizadas no âmbito local.
“Não bastará mudar a legislação nacional se, nas cidades, onde vivem as pessoas, o sistema de comunicação não for plural, democrático e participativo. Vale lembrar também que, mesmo enquanto o país discute um novo marco para o setor, no âmbito local os prefeitos e vereadores já podem começar a transformar essa realidade”. Quem avisa é Bia Barbosa, integrante do Intervozes e da Frente Paulista pelo Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão (Frentex-SP), articulação que reúne mais de 60 entidades, coletivos e redes do estado. O grupo construiu uma plataforma com propostas concretas de políticas que podem ser implementadas nos municípios e convidou os candidatos à adesão.
Entre as 15 propostas paulistanas estão a oferta de banda larga em espaços públicos, apoio a rádios comunitárias e a transparência na destinação da verba publicitária do Executivo municipal. Todos os candidatos à Prefeitura de São Paulo, assim como os candidatos à Câmara Municipal, receberam o documento por meio dos diretórios municipais dos partidos e/ou de seus comitês de campanha. Trinta pleiteantes de cinco partidos a uma vaga na Câmara dos Vereadores já assumiram seu compromisso com o documento.
Ações semelhantes foram realizadas em Pernambuco, Rio de Janeiro, Sergipe e Paraná. A partir de um documento formulado conjuntamente, articulações nesses estados vêm procurando adesões tanto nas capitais quanto no interior.
Falha técnica
Não é surpreendente que a maior parte das plataformas apresenta propostas semelhantes. Afinal de contas, muitas delas já tinham sido construídas nos últimos anos, seja no processo da I Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, seja nos debates que sucederam a Confecom e que deram origem aos que hoje são os vinte pontos sugeridos pela sociedade civil para o novo Marco Regulatório da Comunicação.
Participação social; descentralização das verbas públicas; apoio e fomento à comunicação independente, popular e comunitária; transparência e democratização da gestão; educomunicação para a cidadania; implementação da nova Lei do Acesso à Informação; realização de concurso público para profissionais de comunicação que atuam nas prefeituras. Em sua maior parte, propostas que fogem da regra geral hoje em dia, em que a política pública de comunicação confunde-se com a política de comunicação da gestão – ou do gestor.
“Procuramos pontos genéricos, que pudessem encaixar-se em todos os planos de governo. Focamos nas questões centrais defendidas pelos movimentos em todo o país, como a criação dos conselhos municipais de comunicação”, diz Douglas Moreira, da Ciranda Central de Notícias dos Direitos da Infância e da Adolescência do Paraná, integrante da Frente Paranaense para o Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão. O documento elaborado pela Frentex-PR tem 16 pontos e já foi subscrito por quatro candidatos à prefeitura – Alzimara Bacellar (PPL), Avanison Araujo (PSTU), Bruno Meirinho (PSOL) e Rafael Greca (PMDB). Catorze candidatos a vereador, de sete partidos diferentes, também assinaram a plataforma.
Em Aracaju, a Plataforma para uma Comunicação Democrática teve a adesão de seis pretensos vereadores de seis partidos e de apenas uma candidata à prefeitura: Vera Lúcia (Frente de Esquerda – PSOL/PSTU/PCB). Vera, por sinal, convidou as entidades responsáveis pela plataforma a participar da construção de quadros sobre Cultura e Comunicação dentro do programa eleitoral gratuito na televisão.
"Mesmo com a adesão de poucas candidaturas, a nossa avaliação é de que foi extremamente positivo lançar o documento, visto que se há um tema que quase não aparece nas campanhas eleitorais municipais é a comunicação. Por isso, foi uma atitude ousada convocar os candidatos a se posicionar sobre um tema ainda tabu e ainda carente de políticas em nível local", avalia Paulo Victor Melo, do Intervozes.
Embora a maior parte das propostas de todas as articulações sirvam para qualquer município do Brasil, alguns tópicos são bem específicos do lugar em que foram formulados. Os ativistas da Frente Ampla pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação do Rio de Janeiro (Fale-Rio), por exemplo, demandam uma democratização da Multirio – Empresa Municipal de Multimeios. Querem seus produtos “não circunscritos a uma tarefa de educação formal, mas dialogando com as necessidades reais da população, de produção e distribuição de conteúdos, no sentido mais amplo de uma educação para a cidadania”, como informa o documento que até agora foi assinado por dois candidatos a vereador no Rio de Janeiro e um em Niterói.
Para os recifenses, uma quase “questão de honra” é a implementação da Rádio Frei Caneca. Veículo de comunicação pública cuja criação foi autorizada por lei em 1960 e que jamais entrou no ar, a emissora é quase uma lenda que circula no ramo da comunicação pernambucana. Nos últimos doze anos, os prefeitos petistas João Paulo e João da Costa tentaram, sem sucesso, tirar a rádio do papel. Na maior parte do tempo, o principal problema era a dificuldade em se obter uma concessão – que foi outorgada em 2011 – e logo suspensa por uma falha técnica no projeto. “O Ministério das Comunicações não repassou para prefeitura de forma correta os dados da Anatel no que diz respeito à localização da antena. O ministério reconheceu que induziu a prefeitura ao erro, mas manteve a ‘suspensão’. Propusemos, então, enviar um novo projeto técnico, acompanhado de um estudo que mostra que essa localização não se choca com qualquer outro sinal”, explica o jornalista Renato L, secretário municipal de Cultura até o início deste ano.
“A mobilização vai continuar”
O fato curioso é que, nessas eleições, 100% dos sete candidatos à prefeitura do Recife, do PSTU ao DEM, já anunciaram em reuniões e entrevistas que têm na Frei Caneca uma de suas prioridades no campo da Comunicação e Cultura. Para Raquel Lasalvia, do Fórum Pernambucano de Comunicação, ainda não dá pra comemorar. “Como, historicamente, as gestões da Prefeitura do Recife nunca priorizaram a formulação e implantação de políticas de comunicação, fica difícil acreditar que eles realmente priorizam colocar a Frei Caneca no ar. Parece mais promessa de campanha para garantir o voto de um determinado segmento, no caso o movimento da cultura. De qualquer forma, vamos procurar quem for eleito para lembrar o compromisso assumido”.
Aliás, subscrevendo ou não os documentos elaborados pelos movimentos da comunicação, é certo que os novos prefeitos/as e vereadores/as serão cobrados da mesma forma. “A mobilização vai continuar. Após as eleições, vamos tentar uma ação, um diálogo, fazer visitas aos novos gestores e legisladores para propor novamente, caso ainda não conheçam nossa plataforma”, avisa o paranaense Douglas Moreira.
Conheça as plataformas
>> Carta do Fopecom (Pernambuco)
>> São Paulo
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[Ivan Moraes Filho, do Observatório do Direito à Comunicação]