Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Brasil deixa de exercer soberania sobre a web

Quando a presidente Dilma Rousseff esteve na Campus Party em 2010, então como pré-candidata, disse: “O Marco Civil da Internet que estamos fazendo é uma questão crucial para o Brasil”.

Pano rápido para a terça-feira (20/11). Pela quinta vez o Marco Civil entrou em pauta na Câmara para ser votado. Pela quinta vez, contando debates em comissões, a votação foi adiada. Houve mais uma tentativa frustrada na manhã seguinte, e agora não há prazo para retomada do tema.

Faltou atuação do governo na articulação política com o Congresso, permitindo a obstrução da votação até por partidos aliados. Há quem diga que o projeto só volta à pauta em 2013. Há quem diga que não volta mais.

Com isso, o país deixou de exercer sua soberania sobre a internet. A Câmara decidiu não decidir. Deixou que questões relativas à rede continuem à deriva. Ou melhor, sendo decididas na esfera “privada”, sob influência de grupos de interesse.

Desse modo, vão por água abaixo a segurança jurídica e a previsibilidade, importantes para promover a inovação e proteger os usuários.

Único jeito

As principais oposições à redação do Marco Civil foram levantadas pelos deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Eduardo Azeredo (PSDB-MG).

Cunha é contrário à chamada neutralidade da rede. Trata-se do princípio que impede a internet de se desagregar em uma espécie de TV a cabo. Nessa visão, a web pode ter “pacotes de serviços”.

Por exemplo, quem assinar um “plano básico”, poderia usar só e-mail e redes sociais. Um plano “premium” daria direito a músicas e vídeos.

O “superpremium” permitiria download de arquivos.

A rede assim deixa de ser aberta. Novos serviços passariam a depender da autorização prévia das teles.

O outro ponto contrário, levantado pelo deputado Azeredo, foi uma possível mudança no artigo 13.

O texto atual do projeto protege a privacidade ao proibir que provedores monitorem os usuários. Com a mudança sugerida, os provedores de acesso -as teles- ficariam autorizados a vigiar usuários. Todos os sites acessados pelo internauta ficariam registrados por eles. Em síntese: adeus, privacidade.

O argumento em defesa dessa posição é falho: diz que sites como o Google e o Facebook já monitoram quem os acessa, o que significa que as teles deveriam ter garantido esse mesmo direito.

No entanto, se um site faz monitoramento, cabe ao usuário decidir se quer acessá-lo ou não. Mas, se o monitoramento é feito na raiz, pelos provedores, a única maneira efetiva de evitar ser monitorado será não acessar a internet -ou mudar de país.

Recusa ao voto

A Câmara passou a mensagem de que interesses de usuários, consumidores, empreendedores e o debate público em torno do Marco Civil não importam. O lobby, sim.

O próprio presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), disse: “É a quinta vez que o Marco Civil sai da pauta. Este plenário não quer efetivamente votar, outros interesses estão predominando”. Difícil discordar.

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[Ronaldo Lemos é colunista da Folha de S.Paulo]