Há diversos vasos comunicantes entre Estado e sociedade. Um deles são os partidos políticos, organizações que oferecem aos eleitores candidatos à gestão do poder público. Outros são espaços formais de diálogo entre governo e cidadãos, tais como as audiências e consultas públicas e os conselhos e conferências de políticas públicas. Esses canais são amplamente conhecidos, debatidos e criticados.
Há, porém, outro canal de comunicação que o Brasil finge inexistir. Trata-se do lobby, que ocorre quando agentes sociais tomam a iniciativa de procurar membros do poder público capazes de fazer decisões, a fim de apresentar seus interesses.
Visto com desconfiança por muitos setores, o lobby não é lícito ou ilícito por definição -sua licitude ou ilicitude depende da obediência ou desobediência ao ordenamento jurídico existente.
Interesse público
A regulamentação do lobby é uma medida sempre lembrada quando se trata de banir o lobby ilícito e estimular o lobby lícito. Há muitos anos, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que tratam do tema. Basicamente, regulamentar o lobby significa levantar e publicizar informações sobre os lobistas e as interações que mantêm com os decisores, além de estabelecer padrões para essas interações.
A prestação de informações seria precondição para que os lobistas pudessem requerer as credenciais para o acesso aos agentes públicos. Informações omitidas ou falsas seriam punidas pela negação de credenciamento ou de sua renovação, bem como pelo encaminhamento do caso ao Ministério Público.
Dentre as informações que hoje não existem, mas podem ser criadas a partir da regulamentação, estão a identidade dos lobistas e de quem os contrata, as matérias de interesse dos empregadores dos lobistas, as atividades realizadas pelos lobistas para a promoção de interesses e o montante aplicado na realização dessas atividades.
Você leu acima que regulamentar o lobby envolve “publicizar informações”. Também já deve ter lido, em algum lugar, que o Brasil agora conta com uma Lei de Acesso à Informação. Essa lei (12.527/11) obriga o Estado a disponibilizar informações sob sua guarda, salvo poucas exceções. Chegamos, então, ao ponto do título deste artigo.
Diante da Lei de Acesso à Informação, a discussão sobre a regulamentação do lobby pode ser redimensionada. Um dos principais obstáculos era justamente a definição dos órgãos responsáveis por recolher e divulgar as informações prestadas pelos lobistas. Mas a nova Lei de Acesso à Informação já determina que as organizações públicas tenham órgãos incumbidos de disponibilizar aos cidadãos as informações referentes às suas atividades. A regulamentação do lobby produziria informações novas e de relevante interesse público, que os órgãos determinados pela Lei de Acesso à Informação deveriam reunir e publicizar.
País plural
Embora não seja uma panaceia, pois a regulamentação não cobriria a defesa informal de interesses, nem aquela que mobiliza laços pessoais -de amizade ou de outra natureza- entre lobistas e decisores, convém retomar as discussões sobre a regulamentação do lobby no Brasil diante do novo quadro de transparência.
Não é mais possível fingir que o lobby não existe. A uma democracia madura, num país plural, convém conhecer as múltiplas formas de influência sobre o Estado e zelar para que elas se deem de modo legal e transparente. Deixar o “faz de conta” pode ser um processo duro. Mas é inevitável.
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[Fabiano Angélico, 36, especialista em transparência e combate à corrupção (Universidade de Chile) e mestre em administração pública (Fundação Getulio Vargas), é jornalista e pesquisador; Wagner Pralon Mancuso, 40, doutor em ciência política pela USP, é professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da mesma universidade; Andréa Oliveira Gozetto, 41, doutora em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é professora universitária]