Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Coronéis eletrônicos, mídia e política

– Senador, o microfone é todo seu.

Com essas palavras um repórter da Rádio Rural de Concórdia, em Santa Catarina, iniciou uma entrevista, em 1965, com o então senador Atílio Fontana.

A resposta do à época parlamentar catarinense foi simples e direta:

– Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda.

Mais que cômica ou folclórica, a declaração de Atílio Fontana – 48 anos depois – continua emblemática do que representa o controle dos meios de comunicação por políticos no Brasil.

Enraizado na cultura e na prática política nacional, o vínculo entre propriedade de mídia e políticos é um fenômeno que permanece atual. Historicamente, meios de comunicação, em especial rádio e televisão, são controlados por poucos grupos familiares. Não coincidentemente, essas famílias são também os mesmos grupos oligárquicos da política local e regional.

Com base em dados oficiais, o projeto Donos da Mídia revelou que mais de 270 políticos são sócios ou diretores de veículos de comunicação em todo o país.

É aí que surge uma das principais características da política brasileira atual: o coronelismo eletrônico, prática em que políticos utilizam-se de concessões públicas de rádio e TV para promover interesses próprios e construir uma boa imagem perante a sociedade. Assim como no velho coronelismo, a moeda de troca continua sendo o voto. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da informação, na capacidade de influenciar na formação das opiniões.

Como no Brasil todo ano é eleitoral ou pré-eleitoral, ou seja, as disputas eleitorais sempre estão em jogo, os coronéis eletrônicos utilizam os meios de comunicação para promover seus aliados, hostilizar os adversários e cercear qualquer manifestação contrária aos seus interesses. Iniciam-se verdadeiras guerras particulares com armas públicas (afinal, é sempre bom lembrar que rádio e TV são concessões públicas, que têm prazo de validade e princípios constitucionais a seguir).

Uma verdadeira afronta ao Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, e à Constituição Federal de 1988. Tanto o Código, que regula o rádio e a TV no Brasil, quanto a Carta Magna proíbem que políticos desempenhem a função de diretor ou gerente em empresas de rádio e TV, ou ainda que mantenham contratos, exerçam cargos ou emprego remunerado nestas empresas.

Perdas e danos

Sem dúvida, Sergipe é um estado que ilustra com fidelidade esta situação. Velhas e nem tão velhas assim lideranças políticas locais (ou grupos familiares, se preferir) são conhecidas, dentre outras coisas, por terem o controle da propriedade de grupos de comunicação, tanto de radiodifusão quanto de mídia impressa.

Os mais antigos foram “beneficiados” na farra da distribuição de concessões em troca de apoios político-eleitorais, que teve o seu auge no final dos anos 1980, quando o Ministro das Comunicações era ninguém menos que o baiano Antônio Carlos Magalhães, um dos maiores controladores de rádio e TV da história do país.

Outros, a partir do poder econômico do qual desfrutam, perceberam na comunicação um instrumento estratégico de conquista de poder político. E têm conquistado.

Não só os políticos que são sócios ou diretores de empresas de rádio e TV usam dos meios de comunicação para autopromoção. Basta ter um programa de rádio ou um espaço mínimo na televisão e ser aliado do proprietário da emissora.

Exemplo disso é o suplente de deputado estadual, Gilmar Carvalho, que, na semana passada, teve uma Representação impetrada pelo Ministério Público Eleitoral por “promover propaganda eleitoral antecipada” em seu programa de rádio matinal. O suplente de deputado veiculou uma música, com letra de sua própria autoria, em que exalta as suas “qualidades” e ações “públicas”, numa clara indução a uma possível candidatura em 2014.

Mas o uso político de uma emissora de rádio ou TV (concessão pública) nem sempre acontece de forma escancarada como fez Gilmar Carvalho. Se analisarmos com atenção os temas que estão em destaque neste início de ano em Sergipe – como Proinveste, situação financeira da capital, votações na Câmara de Aracaju, disputas na Assembleia Legislativa e articulações e diálogos com vistas às eleições de 2014 – perceberemos que as abordagens das matérias e os focos das análises variam de acordo com a orientação e opinião do político que está à frente da rede de comunicação.

Sai perdendo o jornalismo independente. Sai perdendo o público, que tem direito a uma informação isenta de coloração partidária. Sai perdendo a democracia.

Com a proximidade das eleições no próximo ano, essas tendências nas coberturas sobre política e políticos se aprofundarão e a população poderá observar com maior nitidez como se materializa o coronelismo eletrônico em Sergipe.

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Paulo Victor Melo é jornalista, mestrando em Comunicação e Sociedade na Universidade Federal de Sergipe, coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social