O modelo brasileiro de organização do mercado de telecomunicações foi estabelecido há pouco mais de 15 anos. Desde a privatização do Sistema Telebras, em 1998, todas as grandes ações estratégicas na área orbitam em torno do mesmo marco legal, dos mesmos princípios jurídicos e de uma linha política que estabeleceu determinadas prioridades e deixou outras de lado. Para quem olha a legislação do setor e as regras existentes, fica claro que a prioridade ainda é, por mais anacrônica, o telefone fixo.
Para esse segmento existem garantias reais de continuidade dos serviços, controle tarifário, obrigações de universalização e regras de qualidade mais rigorosas. Há ao menos uma década, porém, essa parte do modelo ficou incompatível com a realidade. Telefone fixo é hoje, para a maioria dos consumidores, desimportante, se comparado ao telefone celular e ao acesso à internet. Não por acaso, as operadoras fixas perdem clientes ano após ano. Em 2012, quase 2 milhões de assinantes deixaram de usar o serviço convencional das concessionárias e escolheram outras opções, em que o telefone fixo é acessório, um complemento dos “combos” de banda larga e tevê por assinatura.
A conversa sobre a revisão do modelo de telecomunicações vai e volta, mais forte ou mais fraca, ao sabor do momento político. No governo Dilma Rousseff ganhou força. Desde as primeiras manifestações do ministro das comunicações, Paulo Bernardo, logo ao assumir a pasta, e também nas poucas declarações da presidenta sobre o tema, está claro que a prioridade é a banda larga. Mas como priorizar algo que não é prioridade no modelo legal estabelecido?
A discussão é complexa e cheia de meandros. Do ponto de vista jurídico, um dos entraves é o conceito de bens reversíveis. Simplificadamente, os bens reversíveis são aqueles em poder das empresas de telefonia que voltam à União em 2025 ao final das concessões de telecomunicações e que são necessários para garantir a prestação do serviço de telefonia fixa. O problema é que em 2025 provavelmente não haverá mais telefonia fixa, e a rede, se houver, estará sucateada. Hoje, esses bens teriam um valor estimado em cerca de 17 bilhões de reais. Até lá, possivelmente não valerão nada.
Sem prazo
Recentemente, surgiu a notícia de que o governo estaria disposto a trocar esses bens por investimentos na substituição da reade atual de telefonia fixa por uma rede de banda larga, de fibra ótica. Estimava-se o custo em 100 bilhões de reais. Parte desse investimento viria do valor presente dos bens reversíveis que as empresas não precisariam mais devolver à União, e outra parte viria do BNDES (hoje, ressalte-se, acionista importante, mas não controlador, da Oi, a concessionária presente em 26 dos 27 estados brasileiros). Mas essa é apenas uma das ideias na mesa. No jargão jornalístico, trata-se de um balão de ensaio. Nem mesmo o valor de 100 bilhões é certo.
Há, sobretudo na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), quem defenda essa ideia no contexto da revisão do modelo. Mas existem outras propostas. Uma delas é abrir o mercado de fibra ótica a novos competidores. Outra é permitir a formação de consórcios das empresas existentes. Tem ainda a defesa de uma solução que não interfira na infraestrutura das áreas atendidas, apenas possibilitando levar banda larga a locais onde o serviço não existe. Há até mesmo quem proponha o fortalecimento da presença do BNDES na Oi.
Na Anatel, a ideia de acabar com o serviço público e deixar a prestação de todos os serviços de telecomunicações apenas em regime privado, sem obrigações de universalização, sem bens reversíveis e sem controle tarifário é a que tem mais popularidade. Mas o assunto é, sobretudo, político e será filtrado pelo Ministério da Fazenda e pela Casa Civil antes de chegar à mesa da presidenta. Não há prazo para esse trabalho de revisão do modelo, até porque, a depender do caminho adotado, será preciso mexer na lei. Há preocupação de mostrar resultados concretos em 2014, por motivos óbvios.
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Samuel Possebon é editor da revista Teletime