Em 2013, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (3 de maio) foi celebrado pela vigésima vez. Para além do óbvio indicador da repercussão da data que se torna visível nas mais de 1 bilhão de ocorrências sobre o tema nos buscadores online, é possível apontar certa uniformidade do tratamento disponível no cenário midiático em torno do assunto no Brasil.
Como se sabe, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa se origina da Declaração de Windhoek, capital da Namíbia, que hospedou em 1991 o seminário da Unesco “Como promover uma mídia africana independente e pluralista”.
A Declaração de Windhoek afirmou que “em sintonia com o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o estabelecimento, a manutenção e a promoção de uma mídia livre, independente e plural são essenciais ao desenvolvimento e à manutenção da democracia em uma nação e para o desenvolvimento econômico”.
Segundo o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
A uniformidade presente no cenário midiático brasileiro sobre o 3 de Maio se coloca na forma da veiculação de informações sobre casos recentes de constrangimentos legais impostos à livre atuação dos jornalistas e ameaças à sua integridade física. Embora a identificação mais clara deste suposto caráter uníssono da cobertura jornalística ainda componha objeto de pesquisa a ser desvendado, pode-se sustentar que há uma convergência para um determinado enquadramento do tema, que lança luz sobre os riscos enfrentados pelos profissionais da área em sua defesa de um mundo livre e sobre a exigência de as democracias constituírem e manterem aparatos adequados para sua proteção.
Como todo enquadramento simbólico, este também obscurece ao mesmo tempo em que ilumina. Cabe refletir sobre o que está ausente do quadro.
Tom da cobertura
Entre os aspectos deixados de lado, destaca-se um dado sentido da equação presente na Declaração de Windhoek, referente à “promoção de uma mídia livre, independente e plural”. A liberdade e a independência das empresas de mídia tendem usualmente a ser associadas por elas próprias à possibilidade de expressão do que desejarem, sem a interferência de governos e grupos adversários no campo político-ideológico. Dificilmente aquelas qualidades são pensadas pelas empresas de mídia nos termos da liberdade de informação como direito de cidadania nas democracias contemporâneas, segundo a qual os diferentes públicos possuem o direito de obter informações abrangentes e contextualizadas de várias fontes, sem cerceamentos impostos não só por ameaças à integridade dos jornalistas, mas também pelas rotinas industriais de produção da notícia, que podem resultar, segundo numerosas pesquisas, em superficialidade, fragmentação e tendência ao entretenimento.
Mais ignorado ainda é o termo da equação que se refere à pluralidade como diferencial do jornalismo. Porque este aspecto exigiria trazer à tona justamente uma qualidade nem sempre observada na prática profissional, segundo a qual a produção de uma matéria jornalística deve empregar esforços técnicos e operacionais para compor um quadro na qual esteja representada a diversidade de perspectivas relevantes para a compreensão do fato ou acontecimento enfocado, com contexto, abrangência e profundidade. Como nem sempre dispõem dos recursos humanos, técnicos e materiais necessários à produção do pluralismo, as empresas de mídia tendem a silenciar sobre este aspecto, embora ele seja integrante da luta simbolizada pelo Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Embora o pluralismo seja parte inegável do contexto da data, se torna mais conveniente não se referir a ele. O tema, visto sob a perspectiva não do jornalista mas sim das exigências contemporâneas de aprofundamento da cidadania, poderia motivar questionamentos dos públicos consumidores a respeito da qualidade do produto noticioso que chega a eles. Com frequência, ainda segundo estudos, são notícias notavelmente descontextualizadas, produzidas sem respeito ao pluralismo como valor editorial.
Pelo tom da cobertura sobre o tema, vale dizer, recorrendo ao clichê: o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa tem servido mais à reafirmação da liberdade de empresa do que à liberdade de imprensa.
Quem quiser aprofundar-se no significado histórico da data pode ler o documento “20 Years of World Press Freedom Day“, publicado pela Unesco.
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Danilo Rothberg é professor do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp e coordenador do Plural