As revelações de monitoramento da internet feitas pelos Estados Unidos, que chocaram o mundo, deverão reacender as discussões em torno do Marco Civil da internet no Congresso Nacional. Os artigos mais polêmicos do projeto são os que tratam da neutralidade da rede, de direito autoral e da privacidade dos dados dos usuários – a guarda dos registros de conexão, que muitos consideram um fator de insegurança e risco para os internautas. O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse ao Globo que o governo precisa ter uma política para dar garantias ao cidadão brasileiro de privacidade no uso da internet.
Representantes do governo, entre eles, os ministros da Justiça, José Eduardo Cardoso, e da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, deverão se reunir esta semana para discutir formas de acelerar a adoção de medidas e avaliar que tipo de reforço precisará ser dado a esta política. Paulo Bernardo defende que o projeto de lei de Proteção de Dados Pessoais, que passou por consulta pública e está tramitando no governo, seja concluído e enviado rapidamente ao Congresso.
O deputado Alessandro Molon (PT/RJ), relator do Marco Civil da Internet na Câmara, disse que o projeto está pronto. Ele contou que a presidência da Câmara pediu que os partidos indicassem as prioridades de votação e que o PT apontou o Marco Civil. A expectativa é de que outros partidos também apoiem a regulamentação, porque ela protege o usuário.
– O escândalo dos EUA deverá contribuir para acelerar a votação do Marco Civil da Internet. É um projeto de direitos humanos, de liberdade de expressão, da privacidade e da segurança na rede – disse o parlamentar.
O artigo 12 da proposta do Marco Civil impede que as empresas guardem os dados dos usuários (logs). Mas foi apresentada uma emenda que retirava esse artigo do projeto. Segundo especialistas, ela acaba com a privacidade do usuário, porque permite que os provedores de conexão armazenem os registros dos usuários de internet.
Eduardo Levy, diretor-executivo do SindiTelebrasil, associação das empresas de telecomunicações, comparou a proposta de “guarda de logs” ao sistema usado pelas operadoras para armazenar registros das ligações.
– Elas não guardam conteúdo. Guardamos por cinco anos as ligações feitas do celular. Não sei o que falou, mas sei de onde discou, para quem discou e quanto tempo falou. O equivalente a isto é guardar logs – disse.
Sem regulação, órgãos do governo criam suas regras
Várias iniciativas da sociedade e mesmo de órgãos ligados ao governo vem demonstrando a necessidade de o Congresso agilizar a análise e a aprovação do Marco Civil da Internet. Mas a votação no plenário da Câmara já foi adiada seis vezes. Para o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, o Marco Civil da Internet resolve parte dos problemas de segurança na rede. Ele disse que o país tem aproximadamente 100 milhões de usuários de internet, sendo que 90% deles têm conta nas empresas de tecnologia, porque têm um email.
– O caso é de se retomar a discussão, ver se precisa fazer alguma adequação para prevenir coisas como as que aconteceram nos EUA e votar – disse.
Para o presidente da Abert, Daniel Slaviero, a regulação da Internet é urgente.
– O Congresso tem em mãos um projeto amplamente discutido, que prevê regras claras para garantir na internet um ambiente saudável para as empresas, a proteção aos direitos de autor, a necessária privacidade e a imprescindível liberdade de expressão – observou.
A comissão de Ciência e Tecnologia do Senado decidiu começar as discussões sobre o Marco Civil da Internet antes mesmo que a Câmara aprove o projeto e realizar uma audência pública sobre o tema. O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator da proposta na Câmara, disse que é “raríssimo” o Senado começar as discussões antes da Câmara aprovar um projeto, o que demonstra a urgência da sociedade em ter uma lei para o setor.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) também não esperou pelo Congresso e aprovou, no fim de maio, mudanças no regulamento do Serviço Comunicação Multimídia (SCM, ou banda larga) que permitem guarda de registros de conexões por um ano. O diretor relator da matéria na Anatel, Marcelo Bechara, disse que a medida atende pedido do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. O que não pode haver é uma quebra de sigilo “indiscriminada”, completou.
– Eu acho que o Marco Civil da Internet é um instrumento que busca trazer valores de cidadania e democracia. Por isso, acredito que os acontecimentos nos EUA tendem a ecoar no Congresso brasileiro – disse.
Molon disse que os parlamentares devem fazer uma autocrítica ao analisar a decisão da Anatel de aprovar a guarda de logs. Ele considera que, enquanto o Congresso não legislar, deixará espaço para que outros órgãos decidam e assumam este papel.
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Mônica Tavares, do Globo