Os estudos sobre Comunicação Pública me trouxeram, como não poderia ser diferente, ao Velho Mundo, nascedouro desse tipo de comunicação. Com um doutorado em andamento no Brasil sobre o tema, vim investigar de perto a relação de diferentes Estados e Sociedades com a comunicação de serviço público. Ainda cheia de esperanças, depois de ter voltado da Noruega e ter conhecido a experiência da NRK, tive o desprazer de ler, na segunda-feira (17/6) esse artigo aquiassinado por Marcos Mendonça, presidente da Fundação Padre Anchieta.
A Fundação Padre Anchieta, para quem não sabe, é quem responde pela gestão da TV Cultura de São Paulo. Problemas recentes à parte, a TV Cultura tem lugar reservado no imaginário social, ao menos, da minha geração. É, ainda, a nossa maior referência de comunicação pública no Brasil.
Espera-se, portanto, de um gestor dessa entidade o mínimo de compromisso e conhecimento sobre o papel que cumpre um meio de comunicação público e a comunicação de serviço público de maneira geral. Não cabe em um artigo produzido pelo presidente de uma empresa pública de comunicação dar a entender que a função da TV pública é apenas garantir a um público que não tem acesso à TV por assinatura uma comunicação de qualidade. Mendonça, contrariando, qualquer sentido de universalização dos serviços públicos, propõe que a TV Cultura de São Paulo se contente em ser uma TV de nicho, o nicho dos que não tem condições de pagar por algo melhor, ou pela “cereja do bolo” como ele trata a TV por assinatura.
“Apesar da dita ascensão das classes C e D a uma pretensa nova classe média, milhões de pessoas, mesmo em São Paulo, Estado-alvo da Cultura, têm TV em casa, mas não o acesso à ‘cereja do bolo’ da programação — os canais pagos que, a exemplo do National Geographic, apostam na difusão de conhecimentos em linguagem atraente e, assim, na formação complementar de crianças e adolescentes”.
Mendonça que aparentemente faz um texto para ‘defender a TV Cultura’ faz, na verdade, propaganda da “qualidade” da TV por assinatura e a coloca como a grande opção de programas educativos para quem tem condições de pagar, deixando o sistema público para a nova classe C que AINDA não ascendeu a condição de contratação do triple play (internet, TV por assinatura e telefonia fixa). Mendonça se trai pelo próprio discurso ao iniciar o texto com o seguinte questionamento:
Programação de qualidade
Com o avanço do modelo “triple play” -pacotes de assinatura compostos de banda larga, telefonia e TV paga- faz sentido a existência de uma emissora de TV aberta financiada pelo Estado?
E achar que responde a sua pergunta com a frase a seguir:
“No caso da TV Cultura, que foi ao ar em 15 de junho de 1969 sob a gestão da Fundação Padre Anchieta, não tenho dúvida de que seu papel na oferta de conteúdo de alta qualidade é insubstituível”.
Em sua pergunta/resposta Mendonça demonstra que defende a comunicação pública, ou melhor, a TV Cultura, apenas enquanto existam pessoas que não possam PAGAR por uma informação de melhor qualidade. É, digamos, a opção dos pobres. Outra questão que fica clara na argumentação do presidente da Fundação Padre Anchieta é que ele não defende a comunicação pública, ele não justifica a existência de uma comunicação pública pela pluralidade de vozes, pela possibilidade do contraditório, pela experimentação, pela autonomia frente ao mercado e ao governo do dia (até porque a TV Cultura não é autônoma em nenhum desses dois pontos), ele defende única e exclusivamente o seu umbigo, a existência pura e simples da TV Cultura de São Paulo.
Depois, ao mencionar o que a TV Cultura se prepara para no próximo ano se tornar o “autêntico biscoito fino” de uma TV vocacionada para a inclusão social pela educação, ele fala apenas do papel educativo e cultural (de integração nacional) da TV, como foi pensada a TV Cultura em 1969 pelos militares.
A visão do Sr. Mendonça é a mesma visão ultrapassada da comunicação pública meramente instrumental (seja do governo, seja da educação, seja da cultura) que não “precisa” promover a disputa de hegemonia nos campos políticos e sociais com os veículos comerciais. Ele claramente se contenta em ser apêndice, da mesma forma que era utilizada a comunicação durante a ditadura. O fato da televisão pública contribuir sim com a educação, com a cultura e com a pluralidade se dá como consequência do seu formato integrador e plural e não sendo ela um mero canal de teleaulas ou coisas do gênero. TV pública não é para doutrinar e sim para fazer pensar e é assim que ela alcança os seus objetivos mais amplos que justificam a sua existência. E que na verdade, às fazem imprescindíveis em uma democracia.
Um gestor de uma empresa de comunicação pública deve, antes de tudo, ter noção da importância que é a existência de um sistema público de verdade e ainda mais, do quão fundamental é a exigência de ele atender universalmente todos aqueles que pagam por ele com uma programação de qualidade, que independa da qualidade das demais emissoras, mas que ajude também a manter um bom nível de informação circulando na esfera pública.
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Mariana Martins é jornalista, doutoranda em Políticas de Comunicação e Cultura do PPGCOM/ UnB e gestora em Comunicação Pública da Empresa Brasil de Comunicação