Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Comunicação pública para quem?

Os estudos sobre Comunicação Pública me trouxeram, como não poderia ser diferente, ao Velho Mundo, nascedouro desse tipo de comunicação. Com um doutorado em andamento no Brasil sobre o tema, vim investigar de perto a relação de diferentes Estados e Sociedades com a comunicação de serviço público. Ainda cheia de esperanças, depois de ter voltado da Noruega e ter conhecido a experiência da NRK, tive o desprazer de ler, na segunda-feira (17/6) esse artigo aquiassinado por Marcos Mendonça, presidente da Fundação Padre Anchieta.

A Fundação Padre Anchieta, para quem não sabe, é quem responde pela gestão da TV Cultura de São Paulo. Problemas recentes à parte, a TV Cultura tem lugar reservado no imaginário social, ao menos, da minha geração. É, ainda, a nossa maior referência de comunicação pública no Brasil.

Espera-se, portanto, de um gestor dessa entidade o mínimo de compromisso e conhecimento sobre o papel que cumpre um meio de comunicação público e a comunicação de serviço público de maneira geral. Não cabe em um artigo produzido pelo presidente de uma empresa pública de comunicação dar a entender que a função da TV pública é apenas garantir a um público que não tem acesso à TV por assinatura uma comunicação de qualidade. Mendonça, contrariando, qualquer sentido de universalização dos serviços públicos, propõe que a TV Cultura de São Paulo se contente em ser uma TV de nicho, o nicho dos que não tem condições de pagar por algo melhor, ou pela “cereja do bolo” como ele trata a TV por assinatura.

“Apesar da dita ascensão das classes C e D a uma pretensa nova classe média, milhões de pessoas, mesmo em São Paulo, Estado-alvo da Cultura, têm TV em casa, mas não o acesso à ‘cereja do bolo’ da programação — os canais pagos que, a exemplo do National Geographic, apostam na difusão de conhecimentos em linguagem atraente e, assim, na formação complementar de crianças e adolescentes”.

Mendonça que aparentemente faz um texto para ‘defender a TV Cultura’ faz, na verdade, propaganda da “qualidade” da TV por assinatura e a coloca como a grande opção de programas educativos para quem tem condições de pagar, deixando o sistema público para a nova classe C que AINDA não ascendeu a condição de contratação do triple play (internet, TV por assinatura e telefonia fixa). Mendonça se trai pelo próprio discurso ao iniciar o texto com o seguinte questionamento:

Programação de qualidade

Com o avanço do modelo “triple play” -pacotes de assinatura compostos de banda larga, telefonia e TV paga- faz sentido a existência de uma emissora de TV aberta financiada pelo Estado?

E achar que responde a sua pergunta com a frase a seguir:

“No caso da TV Cultura, que foi ao ar em 15 de junho de 1969 sob a gestão da Fundação Padre Anchieta, não tenho dúvida de que seu papel na oferta de conteúdo de alta qualidade é insubstituível”.

Em sua pergunta/resposta Mendonça demonstra que defende a comunicação pública, ou melhor, a TV Cultura, apenas enquanto existam pessoas que não possam PAGAR por uma informação de melhor qualidade. É, digamos, a opção dos pobres. Outra questão que fica clara na argumentação do presidente da Fundação Padre Anchieta é que ele não defende a comunicação pública, ele não justifica a existência de uma comunicação pública pela pluralidade de vozes, pela possibilidade do contraditório, pela experimentação, pela autonomia frente ao mercado e ao governo do dia (até porque a TV Cultura não é autônoma em nenhum desses dois pontos), ele defende única e exclusivamente o seu umbigo, a existência pura e simples da TV Cultura de São Paulo.

Depois, ao mencionar o que a TV Cultura se prepara para no próximo ano se tornar o “autêntico biscoito fino” de uma TV vocacionada para a inclusão social pela educação, ele fala apenas do papel educativo e cultural (de integração nacional) da TV, como foi pensada a TV Cultura em 1969 pelos militares.

A visão do Sr. Mendonça é a mesma visão ultrapassada da comunicação pública meramente instrumental (seja do governo, seja da educação, seja da cultura) que não “precisa” promover a disputa de hegemonia nos campos políticos e sociais com os veículos comerciais. Ele claramente se contenta em ser apêndice, da mesma forma que era utilizada a comunicação durante a ditadura. O fato da televisão pública contribuir sim com a educação, com a cultura e com a pluralidade se dá como consequência do seu formato integrador e plural e não sendo ela um mero canal de teleaulas ou coisas do gênero. TV pública não é para doutrinar e sim para fazer pensar e é assim que ela alcança os seus objetivos mais amplos que justificam a sua existência. E que na verdade, às fazem imprescindíveis em uma democracia.

Um gestor de uma empresa de comunicação pública deve, antes de tudo, ter noção da importância que é a existência de um sistema público de verdade e ainda mais, do quão fundamental é a exigência de ele atender universalmente todos aqueles que pagam por ele com uma programação de qualidade, que independa da qualidade das demais emissoras, mas que ajude também a manter um bom nível de informação circulando na esfera pública.

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Mariana Martins é jornalista, doutoranda em Políticas de Comunicação e Cultura do PPGCOM/ UnB e gestora em Comunicação Pública da Empresa Brasil de Comunicação