Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Big Brother público-privado

As revelações de Edward Snowden sobre e enorme operação de monitoramento de dados das agências americanas e britânicas de espionagem eletrônica mostram que, em sua maior parte, a origem da informação é de fontes privadas. É o que as agências fazem frequentemente, vasculhando as pilhas de dados reveladores que nós mesmos concordamos em compartilhar com as gigantescas companhias do mundo da tecnologia da informação – em geral clicando o botão “aceito” referente a um documento sobre termos que nunca lemos.

O que os órgãos que nos espionam coletam diretamente, por agentes secretos e afins, é apenas uma minúscula proporção do que conseguem pelos meios eletrônicos destas fontes comerciais. A conclusão é evidente: se o Big Brother voltar no século 21, o fará como uma parceria público-privada.

Quase toda a infraestrutura do mundo conectado eletronicamente pertence a empresas privadas. As nossas rodovias podem ser estatais, mas nossas super-vias da informação são privadas. Portanto, por exemplo, a agência de espionagem britânica, GSHQ, em Cheltenham, tem acesso ao conteúdo de cabos de uma supercapacidade usados nas comunicações que passam pela Grã-Bretanha graças a acordos secretos com as companhias às quais pertencem. Segundo matérias publicadas nos jornais Guardian e Washington Post, o programa Prism da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) garantiu a cooperação da Microsoft, Yahoo, Google, Facebook, Skype, YouTube e Apple.

Todas essas companhias estão interessadas em conhecer o máximo de dados referentes às pessoas que usam os seus produtos – mas para seus próprios fins, não para o Estado. A razão aceitável pela qual elas fazem um monitoramento tão minucioso de nós, usuários, é para nos oferecer o melhor serviço. Eu gosto que minhas buscas no Google me proporcionem os resultados mais importantes. Gosto que a Amazon me apresente sugestões de livros, porque na maioria das vezes são sugestões muito interessantes.

Bom começo

Entretanto, há também um motivo inquietante. Principalmente se não cobram diretamente pelos serviços que elas oferecem, muitas destas companhias lucram com a venda do usuário aos anunciantes. Quanto mais elas conhecem a respeito dos seus hábitos, gostos e desejos íntimos, mais posicionadas estarão para oferecê-lo como alvo de publicidade personalizada. Se o usuário procurar, por exemplo, panteras cor de rosa – imediatamente começarão a pipocar na tela anúncios sobre panteras cor de rosa.

Essa acumulação para fins comerciais de informações estritamente pessoais é muito preocupante. O fato de Facebook, Google e outros procurarem nos tranquilizar a esse respeito não é suficiente. Afinal, ficamos sabendo de que eles trataram de compartilhar parte destas informações a nosso respeito com os organismos de espionagem. Admito que eles o façam de maneira involuntária – embora seja assustador saber que o diretor de segurança do Facebook, Max Kelly, foi contratado pela NSA.

Várias das companhias citadas pelo Guardian e pelo Washington Post responderam que nunca tinham ouvido falar do Prism, mas ofereceram dados sobre o total dos pedidos de aplicação da lei nos EUA recebidos nos seis meses até o fim de maio, na maior parte relacionados a casos criminais e não à Lei de Vigilância da Inteligência Externa (Fisa). Portanto, o Tio Sam pediu informações a respeito de cerca de 31 mil a 32 mil usuários da Microsoft, 18 mil a 19 mil usuários do Facebook, e até de dez mil contas da Apple.

Será muito ou pouco? Se o usuário for você, é muito. A quantidade e a intimidade do que os espiões e as companhias juntas sabem a respeito da gente ultrapassa o sonho mais excitante de um general da Stasi. Mas Grã-Bretanha e Estados Unidos não são países totalitários. Nós enfrentamos uma ameaça concreta por parte de indivíduos radicais e escorregadios, conforme os autores dos atentados da Maratona de Boston e do assassinato em Londres de um soldado de folga já demonstraram. Eles são mais difíceis de ser descobertos do que um arsenal nuclear soviético.

Entretanto os governos britânico e americano não podem simplesmente afirmar que a garantia da nossa segurança é o fim que justifica os meios. Não é suficiente que eles reiterem que tudo se dá de acordo com a lei – particularmente quando as leis usadas, como a Lei Reguladora do Poder de Investigação da Grã-Bretanha, são extremamente elásticas. É um insulto procurarem nos amansar com a frase “Nunca comentamos assuntos de inteligência”.

Há vários detalhes operacionais nos quais devemos sempre confiar, mas numa democracia cabe a nós, os cidadãos, fundamentalmente julgar onde se encontrará o equilíbrio entre segurança e privacidade, segurança e liberdade. Nossas vidas e as nossas liberdades estão ameaçadas, não apenas pelo terrorismo, mas também pelas maciças depredações da nossa privacidade em nome do contraterrorismo. Se as companhias que os governos utilizam para conhecer nossas informações mais íntimas quiserem mostrar que ainda estão do lado dos anjos, deverão unir-se a esta luta também pela transparência. Um bom começo seria oferecer mais transparência a respeito dos dados que elas coligem a nosso respeito. Nosso “direito à informação” não se aplica apenas aos governos. 

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Timothy Garton Ash é professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, onde dirige o site www.freespeechdebate.com, e pesquisador sênior da Hoover Instituition, na Universidade Stanford