Os ativistas da democratização da mídia mobilizam-se em todo o país para coletar 1,5 milhão de assinaturas e viabilizar o ingresso de projeto de lei por iniciativa popular no Congresso Nacional. A intenção é regulamentar artigos constitucionais que já dispõem sobre os direitos da comunicação e dos cidadãos quanto ao acesso aos conteúdos produzidos pelas emissoras. Além de mexer nos interesses das sete famílias donas dos principais grupos comunicacionais do país, o texto pretende restringir as concessões evitando que religiosos e políticos continuem sendo donos de emissoras de rádio e televisão. No Rio Grande do Sul, o projeto foi apresentado em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande Sul (AL-RS), na quarta-feira (10).
Elaborado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o projeto prevê normas apenas para a comunicação eletrônica. Não se trata, segundo o FNDC, de regulamentar internet, revistas digitais ou redes sociais, mas de, especificamente, alterar a distribuição das concessões de rádio e televisão no país. “Não é o fantasma da censura à liberdade de imprensa como alguns dizem, mas a garantia de que se cumpra o que já está previsto na Constituição. Promoção da diversidade cultural, equilíbrio dos setores da comunicação, conteúdos anti-discriminatórios e garantir o direito à comunicação aos cidadãos”, explica a representante do FNDC, Eliane Silveira.
Entre as normas, está previsto que 33% dos canais de rádio e televisão devem ser públicos, sendo metade deste percentual para grupos comunitários. Os canais públicos devem ser independentes de governos, mas as gestões públicas devem criar editais para garantir espaço para os movimentos sociais nas mídias. O texto também diz que 80% das cidades brasileiras têm que receber o sinal dos canais públicos e comunitários, para garantir a inserção de um novo conteúdo na vida das pessoas.
Questão vital para sobrevivência dos grandes e pequenos grupos de comunicação, a distribuição das verbas publicitárias dos governos e a influência do poder econômico no oligopólio da comunicação também seriam regulamentadas se aprovado o projeto de iniciativa popular da FNDC. “A ideia é que se crie um fundo público para a comunicação em que 25% dos recursos sejam para os canais públicos e 3% da propaganda dos canais privados sejam para sustentação do fundo”, disse Eliane Silveira.
Neste ponto, o representante da Mídia Ninja, Ney Hugo, salientou que até mesmo governos de esquerda, que sempre defenderam a quebra do monopólio da comunicação, se vêem reféns das grandes empresas. “Algumas políticas públicas positivas e importantes para certas regiões não são exploradas como pauta pelas grandes empresas, que não assumem suas posições políticas mas trabalham com clara linha ideológica. Isso faz com que os governos de esquerda tenham que injetar muitos recursos em publicidade nestes grandes canhões para ver alguma coisa sair”, contextualizou.
Na avaliação do representante da Rede Canal Livre, Cláudio Calmo, o que falta para aprovação de um marco regulatório para as comunicações, que não fique restrito às rádios e televisões, é a coragem dos governantes em enfrentar os interesses econômicos e políticos que estão umbilicalmente ligados às emissoras. Mesma opinião tem o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, José Maria Nunes. “Não somos contrários ao projeto de iniciativa popular. Mas, se alcançarmos as 1,3 milhão de assinaturas, vamos conseguir aprovar este projeto? Acho muito difícil que passe no Congresso. O que falta é o governo ter coragem de enfrentar os interesses que impediram até hoje o Marco Regulatório das Comunicações”, defendeu o presidente sindical.
Em nome do governo gaúcho, a diretora de Inclusão Digital, Vera Spolidoro, disse que a opinião do governador Tarso Genro (PT) é favorável não projeto da FNDC. Mas alertou para a necessidade de se discutir uma regulação que envolva as mídias digitais. “A internet está cada vez mais interligada com as demais mídias. E os últimos protestos das ruas mostram uma realidade que, se for verdadeira, pode ser ruim. Segundo levantamento da Folha de São Paulo, os links mais compartilhados nas redes sociais durante as marchas foram dos grandes veículos de comunicação e não dos veículos alternativos”, ressaltou.
A representante do Levante Popular da Juventude, Laura Wottrich, disse que os movimentos organizados tendem a valorizar o discurso da imprensa livre e estão mobilizando atos nacionais em favor da democratização da mídia.
O deputado estadual Aldacir Oliboni (PT), autor do projeto de lei que tramita na AL-RS para ampliar em 10% o repasse de verbas publicitárias para as rádios comunitárias do RS, salientou que o investimento nas mídias independentes da internet tende a ser acrescentado no texto. Ele também reforçou a necessidade de ser realizado um seminário de sensibilização do tema no parlamento gaúcho. O ato será importante para articular a aprovação do Conselho Estadual de Comunicação desenvolvido pelos profissionais da comunicação e o governo gaúcho. “Eu faço um apelo aos deputados desta comissão, pois estamos com medo de que o Conselho não seja aprovado por esta casa. Os mesmos interesses que não querem o fim do oligopólio, não querem que este conselho seja criado”, disse a ex-secretária estadual de Comunicação, Vera Spolidoro.