As distorções em relação aos usos políticos das concessões públicas de radiodifusão têm sido objeto de pesquisa nas universidades brasileira já há algum tempo. Pesquisadores apontam problemas desde a distribuição das outorgas até as relações entre “cabeças-de-rede” e afiliadas, passando pelos danos infligidos aos princípios que regem a Constituição de 1988.
Em sua dissertação de mestrado defendida no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), em 1994, que se tornou um dos estudos mais conhecidos sobre política e comunicação no Brasil, Paulino Motter mostrou como concessões públicas de radiodifusão foram trocadas por votos em questões importantes durante a elaboração da Constituição de 1988. Dos 91 deputados constituintes que receberam emissoras, por exemplo, 82 (90,1%) teriam votado a favor do mandato presidencial de cinco anos de José Sarney.
O estudo de Motter revela, assim, a existência de uma lógica de distribuição de outorgas que não obedeceria necessariamente princípios constitucionais e o “interesse geral”, horizonte do sistema democrático. As concessões seguiriam em grande medida a critérios relativos a interesses particulares imediatos, afinidade político-ideológica ou vínculos pessoais, desconsiderando o cumprimento dos fundamentos que regem a Constituição Federal.
Professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Suzy Santos se dedica a pesquisar as relações entre o empresariado nacional de comunicação e as elites políticas locais. Em suas investigações, aponta que “esta aliança garante aos vereadores, prefeitos, governadores, deputados ou senadores, proprietários de televisão aberta, a oferta de programação – e, conseqüentemente, garante a audiência – sem despender muitos recursos e, por outro lado, garante a máquina pública atuando de acordo com os interesses das grandes redes nacionais”. Essas relações funcionariam inclusive como obstáculo para a participação de empresas internacionais no cenário nacional, mantendo o controle direto nas mãos de uma burguesia nacional (ainda que não seja necessariamente nacionalista).
Para Santos, a afiliação de grupos políticos locais às grandes emissoras garantiria, além da ampliação da distribuição do sinal de uma rede, a influência política do empresariado de radiodifusão (centralizado pelas “cabeças-de-rede”) no ambiente legislativo. “É na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que se estrutura a rede de clientelismo e apadrinhamento compositiva do coronelismo eletrônico. Deputados e senadores proprietários ou sócios de proprietários de rádio e televisão votam as próprias concessões e estabelecem uma intensa rede de favores. Por outro lado, veículos de comunicação – próprios ou associados – são financiadores das campanhas eleitorais destes mesmos deputados e senadores, retroalimentando o sistema”, afirma.
De acordo com o professor Venício Lima, fundador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), não se pode separar em uma análise a comunicação e a política. Essa relação direta e orgânica perpassaria todas as fases do processo democrático, assim como faz compreender a “organicidade” das grandes empresas de comunicação com a política e as políticas de Estado que definem os padrões institucionais que conformam “sistemas de comunicação predominantes públicos ou privados mercantis, incentivando ou limitando a concentração de propriedade, concentrando ou distribuindo verbas de publicidade, regulando ou desregulando o exercício da comunicação”.
Todavia, no Brasil, ainda para esses pesquisadores, a contradição entre “um sistema de comunicações moderno consolidado na ditadura e as condições básicas da formação de uma opinião pública democrática” foi transmitida para os dias atuais sob a forma de um impasse constitucional. “Se a Constituição Federal fundamenta princípios democráticos de relação entre mídia e democracia, tem até agora prevalecido a resistência, formada pelos interesses empresariais na comunicação e seus lobbies políticos, a qualquer regulação democrática e pluralista do setor”, afirmam. Assim, destaca-se no Brasil o uso político dos meios de comunicação privados e das relações de influência no parlamento por parte do empresariado para bloquear a efetiva participação democrática na esfera pública.
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Bruno Marinoni, do Observatório do Direito à Comunicação