Para conhecer um campo de pesquisa, é preciso considerar seus autores basilares, pois qualquer área que não conhecer sua história corre o risco de não se sustentar.
O princípio, trabalhado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), foi lembrado por Maria Immacolata Vassalo de Lopes, professora titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), durante sua palestra no segundo dia do Ciclo de Conferências “50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a contribuição de São Paulo”, na última sexta-feira (16/08), na sede da FAPESP.
Esse aspecto foi destacado entre os palestrantes, que comentaram alguns dos autores pioneiros das ciências da comunicação no Brasil, articulando princípios trabalhados por eles décadas atrás, até hoje presentes no campo da Comunicação.
De acordo com Immacolata, que apresentou uma análise do livro Comunicação e Indústria Cultural, do sociólogo e professor da USP, Gabriel Cohn, a reunião de diferentes gerações de pesquisadores e o compartilhamento de uma visão ampla, porém integrada, ajuda a firmar e a induzir as pesquisas nesse campo.
A proposta multidisciplinar do autor, presente em seu livro de 1971, para a construção de um campo de conhecimento a partir da releitura de clássicos da área, foi ressaltada pela pesquisadora da USP. Para ela, a leitura e a articulação de artigos propostas por Cohn, a partir de seu conhecimento sobre Max Weber e Theodor Adorno, ajudaram a firmar as discussões, no Brasil, sobre conceito de indústria cultural.
“Com sua concepção de método para estudar esses autores, Cohn traz 26 artigos, de nomes que se firmavam como bibliografia na década de 1970, entre eles Edgard Morin, Marshall McLuhan, Umberto Eco, Jean Baudrillard, Roland Barthes, Julien Greimas, Herbert Marcuse, Louis Althusser, Armand Mattelart, Abrahan Moles, Pierre Bourdieu e Eliseo Verón”, afirmou Immacolata.
Ao iniciarem o recorte do que viria a ser o campo da Comunicação, esses autores, vindos de diferentes áreas, trouxeram aspectos da Sociologia, da Política, da Teoria Literária, da Psicologia Social e Educacional, “mas já introduzindo no debate a questão da sociedade de massas, feita por uma cultura de massas”, destacou.
Para a professora, Cohn articula a fundamentação empírica da explicação sociológica com uma visão do que ocorre no presente, ao inserir estudiosos brasileiros em sua proposta, como José Marques de Melo, Sérgio Miceli, Ecléa Bosi, Angeluccia Habert, Othon Jambeiro, Samuel Pfromm Netto e Adísia Sá, além dele mesmo.
“A leitura e o recorte geracional são um exercício epistemológico muito importante para a área de Comunicação, que está pensando e entendendo a si mesma. Essa é a proposta deste ciclo de debates, que está muito bem focado”, avaliou a professora, para quem é preciso ter a perspectiva de pensar a área de comunicação considerando sempre sua história, o que nem sempre é visível. “Há algo de arqueologia, é preciso escavar e empreender esse desafio.”
Visões de futuro
A articulação destacada por Immacolata pode ser verificada também em outras palestras, que buscaram destrinchar aspectos comunicacionais em livros publicados em diferentes períodos.
José Luis Bizelli, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), analisou o livro Comunicação de Massa, de Samuel Pfromm Netto, ressaltando o perfil de pioneirismo e a importância seminal da obra para a área da Comunicação.
Segundo ele, as observações feitas pelo autor em 1972 – quando, embora não contasse com dados empíricos, trabalhava com a ideia de que pelo menos um quarto do tempo das pessoas era dispendido com assuntos ligados à Comunicação – mostram que o conhecimento e a discussão teórica, já naquela época, eram importantes para a compreensão da comunicação contemporânea.
Com base em sua apresentação, pode-se inferir que a obra permanece atual, inclusive para a compreensão do uso das novas tecnologias, que alteram as práticas e influenciam os processos comunicacionais, em maior ou menor grau.
Outra obra inovadora por inserir aspectos pouco discutidos na Comunicação foi apresentada por Juliana Gobbi, também da Unesp, campus Bauru.
A pesquisadora ressaltou a questão da inserção dos negros na sociedade e o papel do rádio para essa inserção, trabalhados no livro Cor, profissão e mobilidade, o negro e o rádio em São Paulo, de João Batista Borges Pereira. Segundo ela, desde 1967, quando o livro foi lançado, pouca coisa mudou em relação a essa questão.
Em seus estudos sobre o rádio, a visão antropológica e sociológica do autor revelou que a presença de negros é maior nesse meio, em comparação a outros, como nas redações. A obra permanece atual, sobretudo, se considerarmos que, ainda hoje, é possível notar que a presença profissional de negros na área da Comunicação ainda é muito pequena.
O livro Televisão e consciência de classe, escrito em 1977 por Sarah Chucid da Viá, foi analisado pelo professor Ruy Lopes, da USP de São Carlos. Ele ressaltou a investigação de princípios teóricos e o entendimento das metodologias de pesquisa no campo da Comunicação, destacando as pesquisas da autora sobre comunicação de massa, comunicação de classe e pesquisas de opinião pública.
Para o professor, a homogeneidade verificada por essas pesquisas deixa entrever um viés “pernicioso” entre as classes, em decorrência da disseminação de valores da chamada classe média para as demais classes.
De acordo com o professor, embora não haja no livro uma discussão mais aprofundada sobre conceitos de massa e público, a obra mostra o quanto a cultura de massa se torna homogênea e, com isso, contribui para a diminuição da opinião pública, no sentido do entendimento dessa opinião como um conjunto de diversidades e tensões muitas vezes oriundas de outras classes.
Diálogos entre gerações
Também se apresentaram os professores Waldemar Kunch, da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero (Facasper), e a professora Cecilia Peruzzo, da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Eles analisaram, respectivamente, os livros Comunicação social: teoria e prática, de José Marques de Melo, e Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias, de Ecléa Bosi.
Com moderação da professora Anita Simis, da Unesp, a programação da parte da tarde do evento discutiu outros autores considerados pioneiros na área.
Anita Simis, da Unesp, campus Araraquara, falou sobre o livro Ideologia da Cultura Brasileira, tema da tese de livre docência de Carlos Guilherme Mota na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. No livro, o autor traça a história do pensamento brasileiro no século XX e das ideologias que “encobrem as lutas sociais e ajudam a perpetuar as desigualdades sociais”.
Heloisa Matos, da ECA/USP, falou do livro Comunicação e Cultura Brasileira, de Virgílio Noya Pinto, orientador de suas teses de mestrado e doutorado, recorrendo também às suas anotações de aluna.
Pelopidas Cipriano, da Unesp, campus de São Paulo, lembrou o impacto que o livro Shazam, de Alvaro Moya, teve em sua formação intelectual; Maria Aparecida Ferrari, da ECA- USP, analisou o livro Psico-sociologia das Relações Públicas, de Cândido Teobaldo de Souza Andrade; e Priscila Kalinke, doutoranda da Umesp, elencou os pontos principais do livro A tradição do Impasse, de João Alexandre Barbosa.
Nas duas últimas conferências, Paulo Nassar, da ECA-USP, analisou o livro Jornalismo Empresarial: teoria e prática, de Gaudêncio Torquato do Rego; e Antonio de Andrade, da Umesp, falou sobre o livro Burguesia e cinema: o caso Vera-Cruz, de Maria Rita Galvão.
Promovida pela FAPESP e pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), a série de oito encontros semanais – que serão realizados até o dia 4 de outubro, sempre às sextas-feiras – tem como objetivo discutir alguns dos principais aspectos da Comunicação no Brasil nas últimas cinco décadas.
O próximo encontro do Ciclo de Conferências “50 anos das Ciências da Comunicação no Brasil: a contribuição de São Paulo” será na sexta-feira (23/08), na sede da FAPESP, com o tema “Timoneiros das Ciências da Comunicação”.
Mais informações sobre o ciclo: www.fapesp.br/7888
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Samuel Antenor, para a Agência Fapesp