Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Radiodifusor-candidato

Estamos vivendo um tempo marcado pelos meios de comunicação. A grande maioria dos brasileiros se informa pelo rádio e pela televisão. Um dos motivos que impedem que a radiodifusão seja a porta-voz da democracia é o envolvimento de radiodifusores (concessionários de rádio e de televisão) na política partidária. Formam um bloco parlamentar poderoso.

As concessões são passadas, por herança, de pai para filho. Há muitos anos, a mesma “força política” comanda parte da mídia eletrônica, monopoliza a informação e divulga o que lhe interessa. “Força política” que tem tido um peso significativo no resultado das eleições no Brasil. Ela fez da radiodifusão um trampolim político para o radiodifusor disputar cargos eletivos.

Fiz uma pesquisa sobre o uso da radiodifusão para conquistar cargos eletivos e sobre o direito do cidadão, principalmente o mais pobre, de ter livre acesso às informações de seu interesse. Os assuntos se entrelaçam.

Cheguei à conclusão de que grande parte das concessões foi outorgada pelas ditaduras Vargas e militar. Os governos Dutra, Vargas, JK, Jânio, Jango, Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma praticamente nada fizeram para democratizar a outorga da concessão de serviços de radiodifusão. A razão talvez tenha sido a “governabilidade”, operação que ficou conhecida como “é dando que se recebe”.

Nem o governo do saudoso Juscelino Kubitschek foi poupado de críticas. A relação de amizade entre o então presidente e o dr. Assis Chateaubriand (dono da primeira grande rede nacional de rádio e televisão) foi alvo de duras críticas por parte da oposição.

Programação educativa

O tempo passou. Tivemos a Constituinte de 1988. Apesar do avanço impressionante da sua tecnologia, a radiodifusão continua anacrônica.

Pois, como diz o eminente jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, “tanto a permissão quanto a concessão de serviços públicos far-se-ão ‘sempre através de licitação’. Contudo, entre nós, quando se trata de concessão ou permissão de rádio ou de televisão, tal regra é inteiramente ignorada, seguindo-se, quando muito disfarçadamente, a velha tradição do mero favoritismo. Como se sabe, é grande o número de congressistas que desfruta de tal benesse. Neste setor reina – e não por acaso – autêntico descalabro. A questão é particularmente grave porque, em país de alto contingente de iletrados e no qual a parcela de alfabetizados que leem, mesmo o jornal, é irrisória, o rádio e a televisão são os meios de comunicação que verdadeiramente informam e, de outro lado, formam, a seu sabor, a opinião pública, de tal sorte que os senhores de tais veículos dispõem de um poder gigantesco…” (Curso de Direito Administrativo, Malheiros Editores).

Como se vê, há de se aplaudir a presença do povo brasileiro nas ruas. Ele também quer ouvir a informação que lhe interessa. Não quer que ninguém lhe faça a cabeça. Quer trabalhar seu senso crítico. É o que acontecerá quando a outorga da concessão de serviços de radiodifusão for democratizada.

É preciso uma ampla e profunda reforma na radiodifusão brasileira.

A propósito, o ilustre professor Bandeira de Mello diz o seguinte em outro trecho de seu livro acima citado: “O tratamento que a Constituição dispensou ao assunto revela que inexiste coragem para enfrentar ou sequer incomodar forças tão poderosas – as maiores existentes no País. Veja-se: a disciplina da matéria foi estabelecida no art. 223 da Lei Magna. Ali se estabelece que a outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização para radiodifusão sonora e de sons e imagens competem ao Poder Executivo, mas que o Congresso Nacional apreciará tais atos no mesmo prazo e condições conferidos aos projetos de lei de iniciativa do presidente, para os quais este haja demandado urgência. A outorga ou renovação só produzirá efeito após deliberação do Congresso. Agora, pasmem! Para não ser renovada concessão ou permissão é necessário deliberação de 2/5 (dois quintos) do Congresso Nacional!”.

Hoje, Dia Nacional da Radiodifusão, vamos às ruas protestar, exigir mudanças radicais no setor de radiodifusão!

Quais mudanças? Tenho uma ideia incipiente que poderá provocar a imaginação e a inteligência de legisladores e juristas interessados no assunto.

Como os radialistas-candidatos têm de sair do ar quando sua candidatura é homologada em convenção de seu partido, voltando após as eleições, entendo que a emissora do radiodifusor-candidato (ou de um candidato que seja simples sócio das empresas concessionárias) tenha de passar a transmitir a programação da rádio ou da televisão educativa de seu Estado durante o período que antecede as eleições. Ela fica impedida de transmitir sua programação normal.

Livre, isenta, moralizada

Se a emissora do radiodifusor-candidato se mantivesse isenta no tocante às eleições, eximindo-se de proferir juízo e opinião de natureza político-partidária, poderia eu admitir a desnecessidade do período de impedimento. Entretanto, isso não ocorre e jamais vi ocorrer nos últimos 43 anos.

Não é justo que empresas de radiodifusão se tornem eleitoras privilegiadas, exercendo influência descabida sobre o eleitorado. Acredito que esta minha ideia (discutida e mais bem trabalhada) seja uma de muitas que podem ajudar a democratização da informação.

A propósito, faço minhas as palavras de Rui Barbosa: “Todo o bem que se haja dito, e se disser da imprensa (radiodifusão), ainda será pouco, se a considerarmos livre, isenta e moralizada. Moralizada, não transige com os abusos. Isenta, não cede às seduções. Livre, não teme os potentados” (A Imprensa e o Dever da Verdade, Editora Papagaio).

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Francisco Paes de Barros é diretor-geral de operações da Rádio Capital, foi diretor da Rádio Record, do Sistema Globo de Rádio/São Paulo, da Rádio América e da Rádio 9 de Julho