Das primeiras modalidades de comunicação oral e escrita para as da atualidade, adultos, jovens e crianças, estes últimos em número cada vez maior, reinventam estratégias para se comunicar. Com todos os avanços tecnológicos ao alcance dos dedos, eles têm a oportunidade de interagir com informações e conhecimentos dos mais variados assuntos e, principalmente, de compartilhá-los e (re)construí-los, acrescentando-lhes sua versão particular. É a chamada web 2.0 promovendo o conteúdo colaborativo. É a cibercultura implantando novas definições de ser no tempo e no espaço. São as possibilidades da TV digital, dos celulares, dos games e de todos os recursos das tecnologias móveis. Neste cenário, crianças, jovens e nós adultos somos instigados a produzir narrativas e compartilhar outras, seja por meio de vídeos, textos, músicas, jogos eletrônicos ou simples, e não menos importantes, relatos de experiências, de vivências.
Fato inédito que pode ser descrito como uma era na qual cada cidadão tornar-se, continuamente, um curador de informação. Antes ligada ao mundo da arte e do profissional que pensava na criação, por exemplo, de uma exposição, a curadoria mostra-se, nos tempos atuais, como uma das principais atividades de centenas de milhares de crianças, jovens e adultos que criam, compartilham, exibem e comentam conteúdos, principalmente, em blogs e redes sociais. Estima-se que, em 2012, foram indexadas, pelo Google, nada menos do que 53 bilhões de páginas na internet. Num encontro no ano passado, a professora Giselle Beiguelman, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, divulgou uma pesquisa que reforça estes números. Segundo ela, em um minuto são atualizadas 700 mil uptades de status no Facebook, 530 mil tweets são disparados, 3.600 fotos são publicadas no Instagram e 72 horas de vídeo são postadas no YouTube.
Fico pensando que, neste cenário, parece que lemos/vemos/ouvimos cada vez mais e, ao mesmo tempo, cada vez menos, nos tornando leitores do mundo, talvez, menos completos para a complexidade que o nosso presente exige. Explico minha reflexão: com tamanha agilidade e velocidade, os meios de comunicação trazem, minuto a minuto, num ritmo frenético e intenso, sem-número de informações (produzido pela mídia tradicional e pelos ‘curadores-cidadãos’) que deve ser conhecido e absorvido para, rapidamente, dar lugar a outras informações. Neste sentido, sem dúvida, lemos cada vez mais. Estão aí todos os artefatos tecnológicos nos alimentando incansavelmente com um bombardeio de dados.
Mas, por outro lado, tenho a impressão de que lemos cada vez menos no sentido de nos apropriarmos destas informações e a partir delas conseguir fazer associações, comparações, interpretações e reflexões críticas que poderiam contribuir para um (re) significado de nossas ações. O que lemos, em grande medida, torna-se cada vez mais descartável, sem provocar e ou gerar impacto. Num mundo em que lemos de tudo, a sensação é que não lemos nada.
Postura ativa
A quantidade de conteúdo gerado e disponibilizado instantaneamente é um complicador. Pois há, sim, muito lixo, muita informação que na prática em nada contribui para a vida pessoal e ou profissional das pessoas, embora insistentemente sejamos induzidos a perceber o contrário. Muitas informações que nos chegam, na prática, não têm nenhum ou pouco cunho de interesse público. São, em grande medida, informações de interesse particular. Talvez separar o joio do trigo seja uma das primeiras e principais ações que deveríamos aprender.
Não é uma tarefa relativamente difícil, mas ela exige tempo (o que é raro nos dias de hoje) e investimento. É um processo que exige espaços qualificados para discutir o que consumimos e o que fazemos com o que nos chega. O objetivo não é olhar para a mídia como algo negativo e ou prejudicial à sociedade. Muito menos para tudo o que se cria/compartilha nas redes sociais pelos ‘curadores-cidadãos’. A ideia não é essa, pelo contrário. A questão é ser capaz de refletir sobre o conteúdo que é produzido por esta mídia e por nós, assumindo assim uma postura mais ativa e participativa na leitura do mundo, que não se dá de forma objetiva, unilateral e, muito menos, ordenada. Muito se fala do papel da escola nos dias de hoje. Creio que a leitura do mundo, nesta perspectiva que apontei, deva ser o primeiro objetivo.
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Marcus Tavares é jornalista, doutor em educação pela PUC-Rio