Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

“Marco Civil brasileiro protegerá internauta”

Relator do Projeto de Lei que estabelece o Marco Civil da Internet no Brasil, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) luta há dois anos para ver a proposta, elaborada em acordo com o Palácio do Planalto, aprovada. Do apoio inicial vacilante de um governo brasileiro ainda dividido sobre o tema à pressão para que o Marco Civil seja aprovado em regime de urgência que se seguiu às denuncias de espionagem por parte do governo dos Estados Unidos, Molon atravessou meses de intensa negociação com partidos da base aliada e da oposição, após um processo de discussão com a sociedade que incluiu duas consultas públicas e sete audiências públicas em seis estados brasileiros.

Com a expectativa de que o Marco Civil da Internet, que tramita em regime de urgência constitucional, seja votado até a data limite de 28 de outubro, sob pena de trancar a pauta da Câmara, Molon afirma que o conteúdo essencial do projeto permanece inalterado, sobretudo no que diz respeito à garantia da neutralidade da rede, medida adotada para que todos os dados possam trafegar normalmente, em igualdade de condições e sem sofrer discriminação.

Permanecem também outras determinações no projeto do Marco Civil, como aquela que diz que a regulamentação das exceções à neutralidade da rede deve ser feita por decreto, e não por um órgão da administração direta como, por exemplo, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Por outro lado, outros temas, como a obrigatoriedade de armazenamento dos dados dos internautas brasileiros em território nacional pelas empresas de conteúdo, podem entrar no texto do projeto. Leia a seguir a entrevista exclusiva de Alessandro Molon à Carta Maior:

O senhor acredita que o discurso da presidenta Dilma Rousseff na abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU contribui decisivamente para a aprovação do Marco Civil da Internet pela Câmara dos Deputados?
Alessandro Molon –Esse escândalo de espionagem mostrou ao Brasil o quanto é importante proteger a privacidade dos brasileiros. A presidente, em sua manifestação na ONU, deixou claro que para enfrentar esse problema são necessárias medidas legislativas, tecnológicas e de adoção de determinados mecanismos para impedir novos episódios como esse. A medida legislativa mais importante nesse sentido é a aprovação do Marco Civil. Então, esse escândalo de espionagem certamente está contribuindo para aumentar a pressão para a votação do Marco Civil. O Marco Civil já está pronto para ser votado há um ano e, lamentavelmente, a resistência a esse projeto tão importante pelas operadoras de telefonia vem impedindo sua votação. Agora, para mostrar todo o desejo que ela tem de que isso seja votado, a presidente pediu urgência constitucional para o projeto. Se ele não for votado na Câmara até o dia 28 de outubro, vai trancar a pauta da Câmara. Eu espero que a Câmara tenha a responsabilidade de votar antes que o projeto tranque a pauta.

Como foram as negociações, particularmente com PMDB e PSDB?

A.M. – Há, da parte de partidos da oposição, apoiadores e alguns que são críticos ao projeto. Eu tenho procurado mostrar que esse projeto não deve ser tratado como um projeto de governo versus oposição, mas é um Projeto de Lei que reflete uma política pública de Estado, que é proteger o internauta brasileiro. Eu tenho feito conversas nesse sentido, para procurar reduzir uma resistência inicial que poderia haver pelo fato de ser um projeto de autoria do Poder Executivo. É preciso neste momento separar as coisas e evitar que disputas políticas menores impeçam a Câmara de aprovar esse projeto, inclusive com votos dos partidos de oposição.

Após as últimas negociações, existe alguma novidade importante no conteúdo? A questão da neutralidade da rede continua sendo tratada da mesma forma como estava?

A.M. – A questão da neutralidade será preservada, sem dúvida nenhuma. Ela é intocável, é o coração do projeto, por isso não é admissível qualquer brecha ou concessão à neutralidade da rede. Nós estamos procurando ver como podemos reforçar os dispositivos que garantam maior privacidade ao internauta. Esse tem sido o meu trabalho. Então, a tendência é que o projeto fique ainda mais forte no que diz respeito à proteção da privacidade dos internautas.

Um ponto novo de discussão é o armazenamento de dados dos usuários? Haverá no Marco Civil a determinação de que esse seja feito no Brasil e não no exterior?

A.M. – Ainda não está decidido. Os técnicos do governo estão estudando para propor a melhor saída. Pode ser que esse tema fique para a Lei de Proteção a Dados Pessoais, que é a próxima que será enviada pelo Ministério da Justiça à Câmara. Portanto, não há ainda uma resposta definitiva para esse tema.

Em seu discurso na ONU, Dilma falou também sobre a governança global da internet. Isso se reflete na Marco Civil no Brasil?

A.M. – Essa fala da presidente sobre a governança multiparticipativa da internet foi também muito importante. Ela, indiretamente, reforça muito o papel do Comitê Gestor da Internet (CGI) aqui no Brasil, e o país assumiu o protagonismo nessa luta. Foi um movimento muito inteligente da presidente, muito ousado e corajoso, e que certamente vai render bons frutos para o Brasil e para o mundo.

Em todos esses meses, como evoluiu a posição das entidades setoriais na discussões travadas em torno do Marco Civil da Internet?

A.M. – Todos os setores tiveram a oportunidade de manifestar sua visão. Suas opiniões foram todas ouvidas nas sete audiências públicas que nós realizamos em seis capitais brasileiras, onde todos tiveram a oportunidade de manifestar o seu ponto de vista e participar desse debate. Agora a bola está com a Câmara. É o plenário da Câmara que vai arbitrar o lugar em que ficam as balizas para regular esse setor de forma a beneficiar os internautas brasileiros. Esse é o grande desafio: que a Câmara decida da forma mais adequada para proteger os cem milhões de internautas brasileiros que esperam do Congresso Nacional essa proteção.

Outubro já está aí. Qual a expectativa concreta em relação ao trâmite do PL que cria o Marco Civil da Internet?

A.M. – Nossa expectativa é que a Câmara tenha a responsabilidade de votar antes do trancamento da pauta, porque, repito, se não votar até 28 de outubro a pauta da Câmara ficará trancada. E, me parece muito pouco provável que, depois das manifestações tão firmes da presidente na ONU, ela retire esse pedido de urgência constitucional para o Marco Civil da internet. Acho muito difícil.

Mas, a Mesa Diretora da Câmara já acenou com alguma data para a votação? Alguma posição do presidente Henrique Alves?

A.M. – Ainda não tem nenhuma informação concreta.

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Maurício Thuswohl, da Carta Maior