Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Rádio com sede em Miami tenta driblar regime castrista

O embargo econômico é a face mais visível da saga contra o regime de Fidel e Raúl Castro em Cuba. Mas todos os dias, há 28 anos, os EUA travam uma batalha diária – com auxílio de satélites e, cada vez mais, sofisticadas parafernálias tecnológicas – pela restauração da democracia na ilha que assombra a política externa americana desde 1958. Em 1985, foi posta no ar pelo governo dos Estados Unidos a Rádio Martí, em homenagem ao herói cubano, com sede em Miami, que produz reportagens sobre assuntos internos e externos, programas de variedades e alertas climáticos, transmitidos 24 horas por dia, de segunda a domingo. A TV de mesmo nome veio no início dos anos 1990 e há mais de uma década foi criado na web o site Martínotícias.com.

Criada em 1982 no início do governo de Ronald Reagan – sob o princípio de levar “a verdade” ao povo cubano, como o próprio ex-presidente declarou em seu lançamento –, a rádio é gerida pelo Office of Cuba Broadcasting (OCB), parte de um complexo de comunicação oficial que tem símbolos como a Voz da América e presença também na Europa, na Ásia, na África e no Oriente Médio. Tem 119 empregados – incluindo uma recente rede de correspondentes fixos na ilha – e orçamento de US$ 28 milhões.

Chegar aos lares cubanos é um desafio diário para as operações Martí, que sofrem tentativas constantes de bloqueio dos sinais pelo governo cubano – na ilha, todos os meios de comunicação são estatais e o acesso a veículos não-autorizados é passível de punição. Para driblar a censura, a rádio opera em ondas curtas e médias, em AM e FM, e divide as transmissões em diversas frequências, ao longo do dia.

“Informações equilibradas a que eles não têm acesso”

Já a TV utiliza principalmente o sistema de transmissão direta a parabólicas, de bases terrestres na Flórida e por satélite. Como os bloqueadores estatais são mais eficientes neste caso, o grupo entrega mil DVDs com a programação Martí semanalmente em Cuba, por intermédio de 24 videoclubes e centros de distribuição. A expectativa é que cada um deles seja compartilhado por pelo menos 50 residências.

Na internet, foram construídas “portas dos fundos” – entrada alternativa para burlar a censura –, pelas quais chega-se ao Martínotícias.com por outros sites, sem ser detectado pelos censores oficiais. “Escutar a rádio e ver a TV Martí em Cuba sempre foi um problema. Mas as coisas mudaram muito nos últimos anos e as pessoas têm menos medo”, afirmou o diretor do OCB, Carlos García-Perez, em entrevista à CNN latina.

O avanço tecnológico tem sido o grande aliado dos veículos nos últimos cinco anos, em que o OCB vem investindo pesadamente nas operações pela internet e pelo celular, de olho no acesso crescente em Cuba a aparelhos e computadores. As duas últimas inovações, lançadas este ano, são os pendrives descartáveis de papel, que carregam dezenas de horas de programação e permitem conexão de vários aparelhos, e a “praça pública” virtual Piramideo, uma rede social baseada em SMS, que dispensa conexão à internet. “Essas iniciativas vão ressaltar e aumentar o poder de compartilhamento de informação das pessoas em Cuba. Na ausência de uma imprensa livre, nosso trabalho é transmitir informações equilibradas e a que eles não têm acesso”, disse García-Perez, em material distribuído pelo OCB.

Qualidade da programação já foi questionada

Quantos são “eles”, porém, é difícil dizer. A aferição de audiência é praticamente impossível. Estimativas publicadas em 2010 pelo think tank conservador The Heritage Foundation apontam, dependendo do período, do veículo Martí e do método de pesquisa, para entre 2% e 45% dos cubanos. A OCB diz que o número de acessos diários ao site cresceu 1.000% em dois anos. O pico é de só 18 mil cliques individuais durante a visita do Papa Bento 16.

Este é um dos motivos pelos quais há muitos críticos do produto: ele não faria grande diferença. Há também, na ala mais liberal dos democratas, quem considere os veículos Martí um anacronismo da Guerra Fria, uma máquina de propaganda americana que fere o valor de imprensa livre.

A qualidade da programação também já foi questionada. Em 2009, o então senador John Kerry, hoje secretário de Estado, afirmou que “ouvintes e telespectadores nunca receberam o tipo de programação de alta qualidade originalmente intencionado”. Ativistas como as Damas de Branco, Rosa Maria Payá e Yoani Sánchez, porém, já defenderam a importância dos veículos Martí em entrevistas.

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Flávia Barbosa é correspondente do Globo em Washington