Após mais de quatro anos de muitas idas e vindas, o Marco Civil da Internet deve finalmente ser votado esta semana na Câmara dos Deputados. O Marco Civil funciona como uma espécie de Constituição da internet brasileira e estabelece os princípios que governam a rede e os direitos fundamentais dos usuários. O projeto entrou em regime de urgência no dia 11 de setembro, a pedido da presidente Dilma Rousseff, depois das mais recentes denúncias de espionagem das comunicações eletrônicas e telefônicas da presidente e da Petrobras feitas pela agência americana de segurança. O prazo de 45 dias para que o projeto seja votado antes de trancar a pauta da Casa vence nesta segunda-feira. O presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), disse que quer votar o projeto na quarta-feira.
– Quero acordo para votar o Marco Civil da Internet na quarta-feira, para deixar a pauta para assuntos extras, como a questão das biografias – disse Henrique Alves.
O relator do projeto, deputado federal Alessandro Molon (PT), vai ter nesta terça-feira as últimas reuniões com representantes dos ministérios envolvidos com o tema. Segundo Molon, embora o princípio de neutralidade da rede seja um ponto nevrálgico do texto, ele corre o risco de ser derrubado pela ação de “alguns dentro do Congresso”. A neutralidade é defendida também pelo governo. No último dia 20, a presidente Dilma usou o Twitter para falar da importância do projeto. “Defendemos a neutralidade da internet. Respeito critérios técnicos e éticos. Sem restrições políticas, comerciais, religiosas, de qq natureza”, escreveu no microblog.
O artigo 9º, que trata da neutralidade da rede, atribui ao responsável pela transmissão, comutação ou roteamento o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino. De forma a controlar o gerenciamento de tráfego, o artigo impede ainda que tais empresas bloqueiem, monitorem, analisem ou fiscalizem o conteúdo dos pacotes de dados.
Exigência inútil
A principal oposição vem das operadoras de telecomunicações, que defendem o direito de cobrar pelo acesso de forma diferente do que se faz hoje.
– O que ficou claro é que gostariam de poder fatiar a venda de serviços de internet no Brasil. Ou seja, oferecer um pacote básico para uso de e-mail, por exemplo, e cobrar valores adicionais de quem quer assistir a vídeos, outro para quem deseja usar programas de conversa por voz como Skype e assim por diante. Eles estão tentando fazer isso no mundo todo, mas é inaceitável, pois violaria o espírito da internet – explicou Molon. – O Congresso precisa decidir se ficará a favor do internauta ou dos provedores.
Molon argumentou que o desejo dos provedores resultaria no encarecimento do acesso à internet e, consequentemente, em exclusão digital.
– A internet no Brasil é ruim e cara. Os provedores deveriam estar preocupados em mudar essa situação. Acontece que eles acham que quem assiste a vídeos na internet o faz por lazer e deveria pagar mais. Isso não é verdade. Muita gente assiste a vídeos para estudar para concursos, por exemplo.
As operadoras de telecomunicações defenderam o direito de distinguir em seus pacotes de internet a velocidade de acesso a determinados tipos de conteúdo.
– Somos a favor da neutralidade da rede, mas também somos a favor da democracia na internet. Uma provedora pode querer oferecer a seus assinantes velocidade maior para (visualização de) seus próprios vídeos que para os de outras. Mas os outros vão ter a qualidade mínima garantida, pois a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já nos fiscaliza sobre isso mensalmente – afirmou Eduardo Levy, presidente da associação Telebrasil, em evento na Futurecom, na semana passada.
Outro ponto que também vem sendo questionado é a exigência de que os dados de brasileiros sejam armazenados no país. Molon contou que os técnicos que assessoram a elaboração do projeto ainda estudam se é interessante incluí-la no Marco Civil ou se ficará para a Lei de Proteção de Dados Pessoais, que o governo enviará ao Congresso.
As autoridades argumentam que os data centers precisam estar no Brasil porque empresas como a Google não colaboram com a Justiça local durante investigações.
– Essa exigência pode ser incluída ou não no Marco Civil. Mas o fato é que a postura de muitas empresas americanas precisa ser mais colaborativa com o governo brasileiro. Algumas não criam nenhum impedimento para ceder dados quando solicitadas pela Justiça, mas muitas argumentam que não podem fazer isso, ao mesmo tempo em que entregam informações de brasileiros com facilidade ao Judiciário americano. Isso é uma afronta ao Estado brasileiro, trata-se de uma questão de soberania – comentou o relator.
Para o diretor de Políticas Públicas da Google Brasil, Marcel Leonardi, a exigência é inútil.
– Localização de data center não define jurisdição. O que define é a nacionalidade da empresa que controla os dados.
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Rennan Setti e Sérgio Maggi, do Globo