Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Governo argentino anuncia que vai desmembrar o Grupo Clarín

A Suprema Corte da Argentina declarou ontem [terça, 29/10] constitucional a Lei de Midia, que limita os grupos de comunicação no país. A decisão, tomada por quatro votos a favor, dois pela constitucionalidade parcial da lei e um contrário, fará com que a norma de 2009 entre em vigor. O principal atingido será o Grupo Clarín, rompido com o governo há cinco anos e com faturamento anual da ordem de US$ 2 bilhões. O Clarín estava amparado por liminares e era o único grupo de mídia que não havia apresentado um plano de adequação à lei.

Com a decisão o conglomerado será desmembrado de forma compulsória, disse ontem Martin Sabbatella, diretor da AFSCA, o órgão do governo que regula o setor. As duas normas que atingem o grupo estão nos artigos 45 e 161 da lei.

O primeiro limita a multiplicidade de licenças. Um grupo poderá deter no máximo dez retransmissoras e uma única emissora de TV ou rádio. O Clarín tem 25 licenças, um canal de TV aberta (o 13) e a rádio Mitre. O artigo ainda restringe a 24 o total de licenças de TV a cabo, e o grupo detém 158, oferecidas pela empresa Cablevision para uma área que reúne 59% da população do país. O limite estabelecida pela norma agora é de 35%.

Já o artigo 161 estabelecia o prazo de um ano para a empresa se desfazer das licenças excedentes por meio de um plano de adequação. De acordo com Sabbatella, o Clarín não terá direito a exercer esse prazo e será o governo que definirá o que o grupo poderá manter e o que será levado a leilão. “Os prazos estão todos vencidos, e o Clarín terá que se sujeitar ao que estabelecermos. O procedimento é o de transferência compulsória”, afirmou o diretor da AFSCA.

A empresa de TV a cabo do grupo, a Cablevision, responde por 68% do faturamento da conglomerado. O Clarín controla 60% da companhia, e o restante pertence ao grupo Fintech, um fundo de um investidor mexicano, David Martínez. O Clarín tem capital aberto e é controlado em 71% pela viúva do fundador do jornal, Ernestina Herrera de Noble, e três diretores que se tornaram seus sócios: o CEO Hector Magnetto, Lúcio Pagliaro e José Aranda.

“Prova concreta”

Magnetto cultivava boas relações com o marido e antecessor de Cristina, Néstor Kirchner, que em 2007 aprovou a compra da Cablevision pelo Clarín, que já era dono de uma empresa de TV a cabo na época. No ano seguinte, em meio ao conflito de Cristina com o agronegócio ao tentar criar um imposto sobre as exportações de grãos, o grupo se afastou da Casa Rosada, detonando o rompimento.

Outros 9% pertencem ao investidor americano Ralph Booth e 9% à autarquia governamental Anses, que gerencia desde 2008 os fundos de pensão estatizados por Cristina Kirchner. O restante é negociado na Bolsa de Valores de Buenos Aires, que suspendeu ontem à tarde a negociação dos papéis por prazo indeterminado.

A decisão da Suprema Corte atinge de maneira profunda a oposição na Argentina. Por meio do canal 13, da rádio Mitre e do canal de notícias TN, da TV a pagamento, o Clarín garantia uma tribuna midiática para os políticos que fazem oposição ao governo, além de veicular denúncias contra a presidente Cristina. Todos os demais canais de notícias pela TV (existem seis ao total) são vinculados ao kirchnerismo.

Embora questionado oito vezes em uma coletiva de imprensa, Sabbatella se negou a dizer em que prazo se fará o desmantelamento do grupo. “São vários prazos. O Clarín já foi notificado e agora haverá uma avaliação dos bens audiovisuais. Depois disso, haverá o leilão público e a concessão das licenças aos novos proprietários. Não há um prazo de ponta a ponta”, afirmou.

Sabbatella descartou uma intervenção imediata do governo no grupo de mídia. “Os atuais controladores têm o dever de manter os atuais postos de trabalho e a operação até a conclusão do processo. Aqui ninguém está falando em expropriação. As licenças serão vendidas em leilão, e o grupo atingido será ressarcido”, disse.

O grupo Clarín divulgou nota oficial ontem em que afirma que irá recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos contra a Lei de Mídia. Em termos práticos, o recurso não impede a aplicação imediata da lei e não há mais recursos judiciais cabíveis na Argentina.

Segundo o conglomerado, “tanto a lei como a sentença, ao desconhecer licenças vigentes, violentam os direitos adquiridos e, ao silenciar sem justificação técnica nem competitiva alguma meios de comunicação que hoje exercem o jornalismo crítico, configuram um claro prejuízo à liberdade de expressão. O Grupo considera que os artigos questionados da lei contradizem os princípios da Constituição e da convenção americana de direitos humanos”, diz a nota.

Ainda segundo o Clarín, “a prova mais concreta da verdadeira intenção do governo com esta lei é a enorme colonização oficial da mídia produzida desde a sua sanção. Hoje mais de 80% dos meios audiovisuais respondem direta ou indiretamente ao governismo. A lei busca que a mídia dependa da publicidade oficial ou de negócios vinculados ao Estado e não seja autossustentável”.

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César Felício é correspondente do Valor Econômico em Buenos Aires