As operadoras de telefonia se uniram às Organizações Globo para tentar virar o jogo e rever o ponto central do Marco Civil da Internet, que está previsto para ser votado pela Câmara na quarta-feira.
A Folha apurou que, a pedido do presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), deverá ser votado um texto de consenso, que reunirá sugestões feitas pelas teles e pela Globo. Na quarta passada, a pressão das operadoras impediu a votação.
Oficialmente, as empresas não comentam. Por meio de sua assessoria, a Globo afirmou que defende o princípio da neutralidade da rede, principal ponto do projeto, e que não fechou qualquer acordo.
A reportagem teve acesso a versões preliminares do novo texto, que surgiram após reunião na casa do presidente da Câmara, na quarta.
Além de representantes das teles e da Globo, estiveram no encontro o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ).
A participação da Globo ganhou força porque os radiodifusores buscam garantias de que o projeto trate de direitos autorais. As emissoras querem que conteúdos publicados sem licença na internet sejam retirados do ar sem necessidade de ordem judicial –o que é exigido hoje.
Barreiras
A votação do projeto está emperrada porque, da forma como está, ele afeta vários negócios das empresas. As operadoras, donas das redes, vendem pacotes de internet e também têm provedores.
Emissoras comercializam programas para empresas de TV paga de que são sócias. A Globo, por exemplo, tem participação na Net e também é dona de um provedor de acesso à internet (Globo.com) e do portal de notícias G1.
Para garantir a neutralidade da rede (tratamento isonômico dos usuários, independentemente do tipo de acesso), Molon usou regras internacionais como referência.
De acordo com elas, paga mais quem quer velocidade sem limite de dados. Mas esse cliente não pode ter preferência de acesso, prejudicando quem tem plano básico.
Para as teles, isso nunca foi um problema. O que elas pretendem é cobrar mais de acordo com o conteúdo ou serviço acessado. Pacotes prevendo upload ou download de vídeo teriam preços maiores.
Molon é contrário a essa ideia porque ela abriria brechas na neutralidade. Um provedor de conteúdo que gastasse mais com uma operadora teria vantagem competitiva sobre outro, assinante de um plano inferior.
Culpa do tráfego
A discussão chegou a esse ponto porque, nos últimos anos, o tráfego de dados, principalmente de vídeos em serviços como o YouTube, o Netflix e a AppleTV, cresceu cinco vezes. No período, as receitas nem dobraram.
Um dos controladores da Oi afirma que, nesse ritmo, a operadora ficará sem recursos para investir em cinco anos. A saída seria cortar dividendos, algo que contraria qualquer modelo de negócio.
As operadoras reclamam dessa situação desde 2008. Para elas, Google, Apple, Netflix, entre outros, lucram às suas custas. Com custo baixo, exploram comercialmente conteúdos produzidos por terceiros que exigem cada vez mais capacidade da rede.
Houve uma tentativa de acordo, mas não prosperou. Motivo: empresas como o Google consideram que as operadoras ganham muito com o aumento do tráfego, deveriam reduzir lucros e ampliar investimentos na rede.
Sem acordo, o Marco Civil da Internet tornou-se o novo palco dessa disputa. Ao cobrar mais de quem acessa vídeos, por exemplo, as teles estariam, indiretamente, equilibrando essa conta.
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Operadoras têm plano B para impor restrições
Prevendo que a cobrança por conteúdo acessado não passe, as teles definiram um plano B, alterando somente dois artigos do Marco Civil da Internet. Um deles oficializa uma rotina comum: a redução de velocidade de quem contrata um plano e estoura a franquia de dados.
A última versão do texto também prevê o desligamento ou a interrupção do serviço de acordo com critérios definidos em contrato. Hoje, a lei só permite a interrupção por inadimplência.
Para o consumidor, o risco seriam os termos dos contratos abusivos. As teles negam, mas as cláusulas poderiam prever interrupção em casos de uso “abusivo” de vídeos ou aplicativos.
Outro artigo do texto prevê tratamentos diferenciados no gerenciamento do tráfego de dados. Na rede, os acessos transitam em “pacotes”. As teles querem “olhá-los” para bloquear vírus e spams e direcionar “pacotes” válidos. Uns iriam para vias de acesso expressas. Outros, não.
As condições do “bloqueio, monitoramento, filtragem, análise ou fiscalização do conteúdo dos pacotes de dados” seriam definidas posteriormente pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Para as teles, isso reduziria custos e preços, e melhoraria a qualidade. (JW)
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Julio Wiziack, da Folha de S.Paulo