Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

PEC do diploma em jornalismo aguarda votação

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 386/2009, que visa restabelecer a exigência do diploma universitário em jornalismo para o exercício da profissão, está apta para ser incluída na Ordem do Dia do plenário da Câmara dos Deputados desde agosto de 2010. Porém, após três anos e três meses e 15 solicitações de inserção na pauta, a matéria permanece parada, aguardando motivação política. Autor da Proposta, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) diz ter adotado diversas medidas e realizado muitas conversas em prol do andamento do texto, mas ainda sem retorno satisfatório. 

O diploma em jornalismo deixou de ser obrigatório em junho de 2009, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) seguiu parecer do relator Gilmar Mendes. Foram oito votos a um, em atendimento a um recurso protocolado pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal (MPF).

Confira a entrevista que o blog Dissertação Sobre Divulgação Científica realizou com o deputado Paulo Pimenta.

O que falta para a PEC 386/2009 entrar na Ordem do Dia?

Paulo Pimenta – Apenas esforço político. Já promovemos iniciativas e debates para colocarmos o tema em votação. A Proposta já foi analisada e aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde houve a deliberação sobre a constitucionalidade, e em uma comissão especial, para verificar sobre o mérito. O próximo passo depende de interesse político que reconheça a matéria como entre as prioridades das discussões na Casa.

Como têm sido os canais de debate na sociedade para discutir a matéria?

P.P. – Em geral, as audiências públicas e os debates se tornam monólogos, pois os grupos contrários à PEC não vêm a público. Quem é contra, age nos bastidores, não se apresenta claramente.

Há planos para a realização de novos debates?

P.P. – Com certeza. Vamos retomar as discussões na sociedade até para preparar o ambiente de votação no plenário. Esse é um tema complicado e muito ignorado pela grande imprensa, apesar da importância para a sociedade e a democracia. O andamento da PEC, por exemplo, não costuma ter interesse jornalístico para a mídia tradicional. Nós precisamos, então, de alternativas, como as redes sociais, pois não temos a pretensão de conseguirmos pautar a grande imprensa nacional. Os jornalistas cobrem dissídios e relações de trabalho de diversas categorias, com exceção do próprio meio. O jornalismo no Brasil ignora a si mesmo.

E quem se opõe à proposta?

P.P. – Basicamente, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), as grandes e tradicionais empresas e representantes de conhecidos veículos de comunicação.

O senhor sofre ou já passou por pressão direta desses grupos?

P.P. – Não, eles sabem com quem podem falar. Jamais contatam a mim diretamente.

E quem tem apoiado a matéria?

P.P. – Alguns dos segmentos mais ativos são os sindicatos dos jornalistas, a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), a ampla maioria dos profissionais da área, as faculdades e os estudantes. Os mais reticentes são os que atuam há mais tempo no mercado, temendo serem impedidos de exercer as suas funções. Esse argumento é infundado, visto que o próprio texto da PEC tranquiliza e garante a quem já possui o registro profissional a continuarem trabalhando normalmente. Não há intenção de caça às bruxas, apenas a de regulamentar a área.

Qual é o grau de força política das entidades que hoje representam a categoria profissional de jornalistas?

P.P. – A Fenaj e os sindicatos fazem um trabalho muito importante. Reconheço o esforço deles, que nos acompanham e lutam conosco.

É possível aferir a receptividade dos seus pares em relação à aprovação da PEC?

P.P. – Acredito que indo à plenária, será aprovada, porque são vários e importantes os setores da sociedade que apoiam a iniciativa. O importante é colocá-la em votação. Nós estamos trabalhando para que o texto da PEC 386/2009 integre a PEC 206/2012, de autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e que trata do mesmo assunto, de maneira a contornar burocracias e reduzir o tempo de tramitação. 

Quais prejuízos a democracia e a opinião pública sofrem com a falta de exigência do diploma para o exercício do jornalismo?

P.P. – Em primeiro lugar, a precarização das relações de trabalho, pois cada vez mais os profissionais passam a ser contratados de forma a serem mais dóceis e passivos à linha editorial do veículo, sem questionarem práticas, comportamentos e filosofias. Ano passado, por exemplo, houve importantes veículos que solicitaram ao Congresso crachás de jornalistas para serem utilizados por auxiliares administrativos na cobertura das atividades do Parlamento. 

Segundo, à medida que o tempo passa, desperdiçamos todo um acumulo de massa teórica e estudos acadêmicos, pois os profissionais tendem a ir para o mercado de trabalho sem passar pela universidade. 

Terceiro, o profissional tem menos noção do próprio papel na sociedade, da sua identidade profissional, tem menos preparo ético, humanístico e poder para administrar o conflito de interesses, prejudicando a exposição do contraditório e o esclarecimento mais amplo das questões abordadas nas matérias. A sociedade fica prejudicada, pois, embora haja mais opinião, há menos exercício do jornalismo.

Quais argumentos podem combater as críticas de que a exigência do diploma inibe a liberdade de expressão e informação?

P.P. – Na verdade, houve um equivoco conceitual do STF, pois a liberdade de expressão é diferente do exercício da atividade jornalística profissional. Todos têm a oportunidade para se manifestar e opinar, através de comentários, colunas, cartas ao leitor etc. O jornalismo é mais do que expressão e exposição de pontos de vista; possui características peculiares que incluem rigorosos processos de apuração, elaboração de narrativas e publicação de notícias, sempre com sensibilidade humana e social.

Certa vez, durante a polêmica do vírus H1N1, em um debate da TV Câmara, um interlocutor disse que o melhor personagem para esclarecer sobre o caso seria um médico. Eu me opus àquele posicionamento, dizendo que o médico é mais uma fonte de uma matéria que deve incorporar, ainda, o paciente, outro médico, a população, um governante, entre outros. Ou seja, o jornalismo não pode ser restrito a apenas uma voz, mas sim deve estimular as discussões e o contraditório. Quem amplia o tema e contrapõe perspectivas é o jornalista, que precisa estar preparado e formado para tais desafios, ainda mais em uma sociedade tão complexa, diversa e dinâmica como a nossa.

Como a decisão do STF em 2009 afetou o campo jornalístico e a própria noção de identidade que o jornalista assume para si?

P.P. – Sem dúvida alguma prejudicou todo um segmento já solidificado e em aperfeiçoamento, incluindo a reflexão do jornalista em relação à contribuição dele para o regime democrático. 

O ministro Gilmar Mendes reinterpretou, refez o próprio entendimento que a Constituinte teve em relação a esse assunto. Nós fizemos um trabalho de buscar na Comissão de Sistematização da Constituinte o debate sobre a regulamentação do artigo que trata a respeito da liberdade de expressão. O tópico foi colocado para ser um instrumento contra a censura. Nenhum parlamentar jamais imaginou e cogitou que um ministro pudesse entender o diploma como uma restrição à democracia e uma afronta ao artigo. Essa confusão foi produzida pelo próprio Supremo.

Há algumas propostas que preveem o retorno da exigência do diploma para exercer o jornalismo, mas com formação em qualquer área. Iniciativas do tipo amenizam a questão?

P.P. – Essa é mais uma visão que retrocede o debate e reforça aquele ditado de que “todo mundo tem um pouco de jornalista”. Nos primórdios da imprensa, era comum graduados em outras áreas contribuírem mais ativamente para os veículos de comunicação. Ao longo do tempo, assim como todas as outras profissões, o jornalismo se institucionalizou e se desenvolveu, criando processos, métodos e teorias próprios. Opinião e jornalismo são conceitos diferentes. Quem é formado durante anos para praticar o jornalismo é o próprio jornalista.

O senhor é a favor da Criação de um Conselho Federal de Jornalismo?

P.P. – Sou muito a favor, sim. Num primeiro momento, seria importante para um grande debate sobre o papel da imprensa, a democratização dos meios de comunicação e da participação cidadã nas discussões e questões públicas e coletivas.

Nós estamos numa fase muito atrasada do ponto de vista da democratização dos meios de comunicação, haja vista o monopólio da mídia que há tantas décadas está sólido no país, com forte influência nas decisões políticas e na condução da sociedade. Precisamos, também e portanto, abordar melhor o desenvolvimento das rádios e TV´s comunitárias, mas até então as medidas para esse segmento são muito tímidas. Dispomos de uma oportunidade histórica para retomarmos discussões desse tipo e produzirmos resultados satisfatórios.

Há algum tópico sobre o qual o senhor gostaria de comentar, mas deixamos de abordar na entrevista?

P.P. – Acho importante lembrar que recentemente o STF publicou um edital de concurso no qual exige o diploma em jornalismo, posição diversa daquela decidida em 2009. Quer dizer, é necessária a graduação na área para atuar no Supremo, mas não é preciso a obrigatoriedade quando se fala em mercado.

>> Acesse a PEC 386/2009

>> Acesse a PEC 206/2012

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Bruno Lara é jornalista (Petrópolis, RJ)