O Marco Civil parou. A votação vai ficar só para o ano que vem, a partir de fevereiro, quando o Congresso volta do recesso. A demora incomoda. Em abril ocorrerá no Brasil um grande evento sobre a regulação internacional da internet, convocado pelo governo brasileiro. Não ter o Marco Civil aprovado até lá é saia justa. Em especial porque o projeto é a principal resposta brasileira às revelações de espionagem, para além da retórica.
Pior que a demora é a possibilidade de o Marco Civil ser completamente desfigurado até lá. Em vez de lei por direitos como a liberdade de expressão, tornar-se instrumento de controle da rede. Há ao menos dois exemplos dessa possibilidade. Um deles é uma nova discussão surgida no Congresso para que o Marco Civil obrigue qualquer site ou serviço, grandes e pequenos, a guardar os registros de atividades dos usuários por um ano. Se a ideia era garantir a privacidade, esse dispositivo propicia a bisbilhotice, não dos EUA, mas do Estado brasileiro.
Além disso, está na mesa também proposta para obrigar a remoção automática de “ofensas”: basta notificar o site ou provedor e ele ficará obrigado a tirar do ar o conteúdo “ofensivo”. Só que ofensas são subjetivas. O que é ofensivo para um pode não ser para outro. O judiciário existe para decidir a questão, só que fica de fora se a proposta for adiante. Com isso, além da “biografia não autorizada” pode surgir no Brasil a figura do “comentário não autorizado”.
Tomara que as férias de janeiro façam o Congresso refletir sobre a importância de manter o Marco Civil fiel à sua proposta original: assegurar direitos, não controle.
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Ronaldo Lemos é colunista da Folha de S.Paulo