Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marco Civil não pode esperar mais um ano

Mais um ano se passa sem que os brasileiros consigam ver aprovada a sua Constituição da Internet – o Marco Civil. O projeto é o resultado de um intenso processo de consulta pública e construção multisetorial iniciado em 2009 e que se tornou um exemplo mundial de democracia participativa. Mas nem mesmo todos os compromissos políticos negociados ao longo desses anos, principalmente em 2013, foram suficientes para lidar com disputas políticas regadas pela oposição do poder econômico das empresas de telecomunicações.

Em uma época pós-Snowden, na qual a Casa Branca está por decidir o futuro do direito à privacidade dos cidadãos do mundo em seu processo de revisão dos poderes da NSA, todos saímos perdendo se o acerto final não for favorável aos direitos dos usuários. Os pontos de maior conflito são também os que refletem os elementos cruciais defendidos pela presidente Dilma em seu histórico discurso sobre governança da internet na ONU, em Nova York, em outubro. São eles a liberdade de expressão, privacidade, o respeito aos direitos humanos e a neutralidade da rede.

Com a versão de novembro de 2013 reapresentada na segunda semana de dezembro com algumas alterações para acomodar a pressão das teles, grande destaque foi dado à liberdade de expressão e à prevalência de maiores garantias ao devido processo legal na relação entre usuário, provedor e autoridades judiciais e policiais.

Passo importante

Privacidade e a neutralidade da rede, no entanto, ainda estão em risco. Sobre o primeiro princípio, o último texto afirma que o disposto no Marco Civil da Internet deve suportar o desenvolvimento de novos modelos de negócio para a rede. A afirmação encontra-se no início da lei e não no artigo da neutralidade (artigo 9), mas possui direto impacto sobre o princípio. Enquanto permite diferenciação de preços por velocidades oferecidas, pode abrir uma janela para diferenciação de serviços com base na diferenciação de conteúdo e aplicações oferecidas. Esperamos que uma revisão do texto atente para esse detalhe e preserve, como é, a internet aberta para todos.

O direito fundamental à privacidade também sofre com a possibilidade aberta na lei para a localização forçada de servidores no país e a obrigação à guarda dos registros de acesso de todos os usuários. A localização forçada de dados não responde à vigilância internacional (ou nacional) como alguns podem pensar. A internet é global e as comunicações são globais. A infraestrutura da internet é global. Ao ouvir uma música, ver um filme, fazer uma compra online, fazemos com que nossos dados circulem por inúmeros cabos e fibras, muitos desses submarinos e a maioria deles propriedade de empresas multinacionais. Manter parte dos dados no território nacionais simplesmente não funciona.

Bem-vinda, entretanto, é a regulamentação das ações das empresas e o que as empresas fazem com os dados de seus usuários. Isso sim pode servir para ajudar a proteger a nossa privacidade ou, pelo menos, garantir práticas mais transparentes. O suporte a novas tecnologias, como acesso sem fio comunitário e planos para cidades digitais, também oferece grande ajuda contra a vigilância. Por tudo isso, a privacidade na internet representa claramente um dos principais desafios da nossa próxima década e pode ser a oportunidade para o Brasil reter um papel de destaque na governança global da internet.

Um dos primeiros passos nesse sentido é aprovar o Marco Civil e, esperamos, antes do encontro internacional que o Brasil vai hospedar em abril de 2014, no qual líderes do mundo todo e representantes de todos os setores afetados pela rede vão se reunir em São Paulo para discutir um novo modelo de governança global da internet.

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Carolina Rossini é advogada e diretora do Open Technology Institute (New America Foundation)