Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Efeito Snowden’ ajuda serviços mais privados

“Você está preocupado com sua privacidade, roubo de identidade, espionagem corporativa ou se alguém está escutando suas ligações confidenciais?” O questionamento, usado na apresentação do celular Blackphone, é pura retórica. É inevitável responder “sim”. Em tempos pós-Snowden, privacidade é a palavra da vez e motivo de preocupação de usuários na internet, onde softwares e serviços que não coletam dados e ajudam a proteger a identidade de quem por ali navega de repente passam a ganhar a atenção do público em geral.

É parte do que se convencionou chamar “Efeito Snowden” (referência ao ex-técnico da CIA que revelou o esquema de vigilância dos Estados Unidos). O buscador DuckDuckGo se coloca como alternativa ao Google. Seu chamariz é não arquivar informações sobre o usuário, seja seu IP ou o histórico de buscas. Não guardar dados significa que eles não os venderão a anunciantes, nem os deixarão vulneráveis a roubo ou monitoramento, mesmo que velado. No início do mês, o buscador anunciou ter atendido 1 bilhão de requisições de buscas em 2013, pouco mais do que o dobro em relação ao ano anterior.

O serviço atendia em média 1,7 milhão de requisições diárias em maio, um mês antes das revelações de Snowden. Em julho, esse número dobrou e não parou de crescer. O nível mais alto foi de 4,6 milhões, alcançado na última quarta-feira, 15.

Gabriel Weinberg, criador do DuckDuckGo, acompanha os números com otimismo e acredita que serviços como Google e Facebook tendem a perder público. “As pessoas estão usando cada vez mais alternativas focadas na defesa da sua privacidade. Isso é o que explica a popularidade recente de serviços como Snapchat e do próprio DuckDuckGo”, diz. “Todos estão cansados de anunciantes rastreando seus movimentos e interesses por toda a internet.”

O Blackphone, citado no início, é uma amostra desse “bom momento” para os defensores da liberdade e da privacidade na web. O smartphone é fruto de uma joint venture entre a Silent Circle, empresa presidida por Phil Zimmermann (leia entrevista abaixo), e a Geeksphone, empresa catalã famosa por desenvolver o primeiro aparelho com sistema operacional Firefox. As empresas usaram a plataforma Android como base para criar o PrivatOS, que vem com uma série de recursos “libertários”, como dizem: sistema de voz por IP (para ligações), e-mail e aplicativos de comunicação por texto e vídeo, todos encriptados; além de Tor para navegação.

“Trabalhei anos com criptografia em e-mail e VoIP e agora implementamos isso em um celular”, diz Phil Zimmermann, criador do sistema de criptografia em e-mails mais usado no mundo, o PGP. “Fizemos o que que foi possível para aumentar a proteção dos celulares contra o monitoramento. O resultado é o Blackphone.”

Zimmermann acredita estar atendendo uma demanda reprimida por dispositivos seguros, mas que a “revolução da privacidade” não deve parar por aí. “Temos que fazer melhorias nos nossos celulares, nos nossos computadores, temos que melhorar a internet”, citando o caso dos 100 mil computadores “grampeados” pela NSA, esquema revelado nesta semana em mais um vazamento dos arquivos da agência.

Rede social

Anahuac de Paula Gil, de 41 anos, criou em João Pessoa, na Paraíba, o primeiro servidor brasileiro do Diaspora, uma rede social global e “livre”, popular por ser descentralizada, ou seja, por não depender de uma instituição que gerencie, sozinha, todos seus usuários.

“Qualquer pessoa ou empresa pode instalar um servidor e ter a sua própria rede social, garantindo a privacidade dos envolvidos”, diz o ativista, lembrando que a relação do usuário com a rede muda, já que a confiança é local, entre conhecidos, e não com uma empresa que tem seu modelo de negócios baseado no uso que faz dos seus dados. “Redes sociais não são um problema, o problema é quem domina a ferramenta.”

O servidor brasileiro foi instalado em dezembro de 2013 e já conta com quase 2 mil pessoas registradas, a um ritmo de 300 novos usuários por semana. “O servidor mais popular dos Estados Unidos chegou a encerrar novas inscrições, por não aguentar o volume de novos usuários nos últimos meses”, contou.

Kelley Misata, porta-voz do Tor Project, diz que o sistema que garante navegação anônima tem tirado muito proveito da nova situação. “Estão surgindo oportunidades como novos eventos e palestras onde podemos ajudar as pessoas a entenderem mais sobre segurança digital e meios de se proteger. Se isso se traduz em mais pessoas baixando e usando o Tor, então é um efeito positivo”, afirmou.

Fim da confiança

Para Jérémie Zimmermann, cofundador e porta-voz do La Quadrature du Net, organização francesa que advoga por liberdade e privacidade na rede, as pessoas estão recuperando a noção de importância da sua intimidade e mudando suas relações com empresas de tecnologia. “Agora se entende que tecnologias podem ser usadas como ferramenta de controle. Mas também há tecnologias que tiram esse controle das mãos de uma empresa só. Liberdade e confiança serão dadas a tecnologias abertas e encriptadas. A confiança tradicional está quebrada.”

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‘Vigilância não se resolve com criptografia’

Phil Zimmermann, criador do PGP e do Blackphone. Para O criador do popular sistema de criptografia de e-mails e VoIP, vigilância estatal aumentou muito e mais rápido que esperava

Há público para o Blackphone?

Phil Zimmermann – Estamos tendo uma resposta muito positiva. Os vazamentos do Snowden estão tornando todos mais conscientes dos atuais problemas de privacidade. Eu mesmo estou impressionado com as práticas da NSA (Agência de Inteligência americana). Mas eles não serão resolvidos só com tecnologia. Precisaremos de políticas públicas e novas leis, de todos os governos, não só do americano.

O que torna o Blackphone diferente dos demais?

P.Z. – Ele parte de uma ideia que tive em 1999, que é fazer um celular seguro com VoIP encriptado. Entretanto, a tecnologia para colocar a ideia em prática só chegou agora. O lançamento será em Barcelona, na Mobile World Congress, em fevereiro e ele ficará disponível para todos os países, inclusive o Brasil.

O Google funciona nele?

P.Z. – Sim, a opção fica com o usuário. Mas tentamos mostrar que o Google não é gratuito à toa. Ele coleta dados para vender para anunciantes, e isso é a raiz do problema. É algo que não podemos mudar porque é parte do modelo de negócios dessas empresas. Governos se aproximam dessas empresas e usam suas informações. Uma saída é encorajarmos essas empresas a mudar seus modelos de negócio, cobrando por seus serviços. Para usar o Silent Circle cobramos US$ 10 por mês e isso sustenta o negócio. Assim não coletamos e não vendemos seus dados – isso é hipotético, pois não temos nem como coletar os dados, nem sabemos quem são nossos usuários. É um esquema “passa a grana e ninguém se machuca”.

Tecnologias serão majoritariamente seguras um dia?

P.Z. – Difícil. O monitoramento estatal é muito forte. Estou na Inglaterra e aqui há mais câmeras com reconhecimento facial nas ruas do que nos EUA. É um novo elemento do Estado de vigilância, e não se resolve com criptografia. Na China é ainda pior. E a tendência é de que o mundo se torne uma grande China. As coisas ficaram piores mais rápido do que esperava. Quando fiz o PGP, falei sobre o perigo de ter a comunicação eletrônica interceptada um dia. Era 1991. (M.R.)

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Murilo Roncolato, do Estado de S.Paulo