Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mudança agrada operadoras, mas preocupa ativistas

A mudança no texto do Marco Civil da Internet proposta em dezembro que inclui garantia de “liberdade de modelos de negócios” agradou as operadoras e abriu caminho para aprovação na Câmara, mas ativistas da liberdade na Web preocupam-se com a descaracterização do projeto.

A principal resistência das operadoras referia-se ao princípio da neutralidade da rede, que prevê que as operadoras de telecomunicações devem tratar todos os dados de forma igualitária, não podendo haver distinção entre serviços online.

O princípio tem como objetivo impedir que as teles transformem a Internet em algo parecido com a TV a cabo, oferecendo, por exemplo, um pacote mais barato somente para acessar emails – sem a possibilidade de acessar quaisquer outros sites – e outro mais caro para utilização de vídeo e serviços de telefonia (VoIP), por exemplo, que exigem mais de suas redes.

Ao criticar o projeto, as teles disseram que, sendo o mercado regulado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), não haveria razões para impedir as prestadoras de oferecer produtos diferenciados, adequados aos diversos perfis de consumo. Algumas fontes do setor também interpretaram que o texto impedia a venda de pacotes por diferentes velocidades.

O novo inciso, proposto pelo relator, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), atendeu à demanda das operadoras para que o texto do Marco Civil da Internet garantisse a liberdade de negócios. As empresas, representadas pelo Sinditelebrasil, não se pronunciaram sobre as mudanças no projeto, mas especialistas afirmaram que as companhias ficaram satisfeitas.

– Sem dúvida, as mudanças abrem caminho para a aprovação do projeto na semana que vem – disse o advogado especialista em direito digital Renato Opice Blum. Segundo ele, a inclusão do inciso foi essencial para impedir que a nova lei desse margem a interpretações que levassem a “impeditivos de negócio”.

Além da diferenciação de pacotes por velocidade, Blum vê a chance de operadoras passarem a oferecer pacotes específicos dependendo do uso que o cliente fará da Web.

– Se podem cobrar por fluxo, seria interessante para a operadora cobrar por conteúdo – disse. – Não limitaria a internet.

Retrocesso?

A avaliação de Blum não é compartilhada por Luiz Moncau, vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), para quem a nova versão do projeto é um retrocesso em relação ao original.

– O texto ficou um pouco pior, porque alargou a margem interpretativa sobre o que é neutralidade – disse. – Um modelo de negócios que eventualmente afete a neutralidade estaria prestigiado dentro desse princípio (da liliberdadederdade de negócio).

Para o consultor e ativista da liberdade na Web João Carlos Caribé, o fim da neutralidade da rede seria também o fim da internet como conhecemos hoje. “Para as operadoras, interessa segmentar a internet, o que para gente significa o fim da internet”, declarou.

Segundo Caribé, a quebra da neutralidade impedirá a inovação na rede, na medida em que as operadoras decidiriam quais empresas de conteúdo poderiam ser acessadas, por meio de parcerias comerciais.

– Não adiantaria mais ter ideias inovadoras, pois não haveria crescimento orgânico sem dinheiro. As teles gerenciarão o tráfego de forma que só liberarão o acesso para quem pagar mais – declarou.

Para Moncau, da FGV, essa tendência já está se desenhando, como mostram as parcerias que as operadoras brasileiras têm firmado com redes sociais, como Facebook e Twitter, que permitem acesso aos aplicativos desses sites de forma gratuita.

– Isso já é quebra da neutralidade, porque o usuário não tem acesso à internet, mas somente àquilo que a operadora decidiu – declarou, completando que, caso esse modelo se dissemine, na hipótese do surgimento de uma nova rede social no Brasil, esta não terá acesso ao mesmo público que as redes já consolidadas.

Na segunda-feira [3/2], a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, disse que o governo trabalha com a perspectiva de iniciar na semana que vem a votação do Marco Civil da Internet. O projeto, considerado prioritário pelo Planalto, está trancando a pauta da Câmara dos Deputados.

A previsão é que, caso aprovado, o novo texto não sofra questionamento judicial por parte das operadoras, segundo Guilherme Ieno, sócio da área de telecomunicações do Koury Lopes Advogados.

– Mas vamos ver o que sai da cartola de cada uma delas lá na frente – declarou.

***

Criador da web critica proposta brasileira de servidores no país

[O Globo, 7/2/2014]

Após a divulgação de que altos escalões do governo brasileiro teriam sido espionados pelos EUA, incluindo a presidente Dilma Rousseff, foi incluído no projeto do Marco Civil da Internet artigo que obriga que grandes empresas instalem ou aluguem servidores no país para armazenar informações de brasileiros. O criador da web, Tim Berners-Lee, é contra essa ideia.

– Eu quero uma web aberta, que funcione internacionalmente, da melhor forma possível sem ser baseada em países – afirmou Berners-Lee, em entrevista à Wired, citando como exemplo o Brasil. – O que eu não quero é uma web onde o governo brasileiro tenha todos os dados de redes sociais armazenados em servidores em solo brasileiro.

E as ameaças a uma internet livre e aberta estão avançando rapidamente. Esta semana, o parlamento turco aprovou lei que aumenta o controle dos conteúdos de internet com paralelo apenas no “Great Firewall” chinês e no controle islâmico iraniano. A partir de agora, o governo não vai mais precisar de ordem judicial para retirar sites de ar e apenas páginas aprovadas poderão ser acessadas pelos turcos.

Segundo Berners-Lee, essa balcanização da web é culpa, em parte, das revelações de Edward Snowden sobre a vigilância em massa promovida por agências de inteligência americana e de outros países aliados. A desconfiança gerada, que atinge desde o nível político a autocensura dos cidadãos comuns, ameaça a web aberta de forma mais contundente que a própria censura.

Contudo, tais esquemas governamentais devem continuar sendo denunciados pelos cidadãos, mesmo que por meio de atividades hackers.

– É uma cultura muito importante, é importante ter a comunidade geek como um todo pensando sobre sua responsabilidade e o que ela pode fazer. Nós precisamos de várias vozes alternativas pressionando os governo de vez em quando.