Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

No sertão, internet chega no lombo de jegues

Enquanto as operadoras brigam no Sudeste pelo mercado de fibra óptica com ultravelocidade de transmissão, de 120 a 500 megabits por segundo (Mbps), no sertão nordestino a tecnologia caminha a trotes lentos, muitas vezes nos lombos de burros de carga. A realidade da região, afastada dos grandes centros urbanos, expõe o ambiente inóspito e carente de infraestrutura, onde operadoras de telecomunicações e provedores de acesso à internet brigam pela capacidade de rede disponível e competem pela atenção do sertanejo.

As redes de acesso chegam às maiores cidades do Sertão, mas usuários de localidades com 16 mil habitantes, ou menos, têm problemas para navegar na web. Quanto mais distantes ficam as localidades, rumo ao interior do agreste, mais escassa é a infraestrutura. Em muitos casos, a velocidade de acesso obtida é tão lenta que equivale à internet discada, comum no Brasil nos anos 90 e no início de 2000.

Na Paraíba e no Rio Grande do Norte, Oi, TIM (com a rede da sua unidade Intelig), Embratel, Eletronet e Telebras chegam a algumas áreas do Sertão. Mas a abrangência das redes é limitada às maiores localidades e os provedores reclamam da baixa disponibilidade para comprar capacidade de rede.

A OndaNet, que oferece acesso local à internet, decidiu buscar uma atuação independente e implantar sua própria rede. Com a infraestrutura redundante em relação às grandes teles, a ideia é levar o serviço a lugares onde as concorrentes ainda não chegaram.

O sistema de rádio

O terreno acidentado, pedregoso, escorregadio e com mata levou a OndaNet a optar por uma comunicação por rádio, para dispensar a implantação de cabos. A empresa contratou a integradora e distribuidora de sistemas Agora Telecom, sediada em São Paulo, que fez o estudo topográfico da região e implantou o maior enlace de frequência licenciada no país com equipamentos da Cambium. Sediada nos Estados Unidos, a Cambiu comprou, em 2011, a divisão de sistemas Canopy da Motorola, baseada em tecnologia de banda larga sem fio.

Sem financiamento de bancos, nem acesso a linhas de crédito de instituições de fomento, a OndaNet contou com 100% do financiamento do próprio fornecedor, a Agora Telecom. Só em rádios, adquiridos nos últimos 20 meses, o custo foi de R$ 600 mil, com pagamento em 18 meses, disse Leonardo de Lima Gomes Filho, diretor e sócio da OndaNet. Com 28 funcionários e 4 mil clientes, o provedor obteve receita de R$ 700 mil no ano passado.

Devido à topologia, não foi fácil alcançar os morros onde os equipamentos precisavam ser instalados. Sem acesso por carro, restou a via aérea, que também se mostrou inviável. O custo para alugar um helicóptero era maior que o aluguel de outra torre, disse Iuri Britto, gerente regional de vendas da Agora Telecom.

O meio mais barato e comum na região é a tração animal. Assim, trabalhadores acompanharam os jumentos que transportaram os equipamentos desmontados morro acima. É um paradoxo, diz Britto. “Um transporte pré-histórico carregando equipamentos para o transporte de comunicação do futuro.”

“Fizemos o investimento porque não conseguimos comprar banda de ninguém. A Eletronet consegue chegar, no máximo, a Campina Grande [Paraíba], mas o preço é muito alto para nós”, disse Gomes Filho, da OndaNet. “Para ligar o sertão ao resto do estado, o ponto de passagem é o Pico do Jabre, o mais alto da Paraíba, que apresenta muitos problemas ambientais, com poucas antenas legalizadas. Então, procuramos outra alternativa para chegar a Sousa.” O provedor decidiu usar uma torre que tem em Lagoa Seca, em Acari, no Rio Grande do Norte. Fechou um enlace para a Serra do Comissário, por meio de parceria da Associação Nacional de Inclusão Digital (Anid), para compartilhar uma torre da organização.

O percurso de Campina Grande a Cajazeiras, na Paraíba, é de aproximadamente 300 km, mas como os enlaces não são em linha reta, a rede se estendeu por cerca de 400 km. Foram feitos sete enlaces, sendo que cada um deles interliga duas torres, totalizando oito torres para atingir Sousa.

O sistema de rádio estabelece 152,8 km de alinhamento de sinal entre a Serra do Comissário e a Serra da Lagoa Seca, com dois rádios Cambium Networks PTP 800 e duas antenas Andrew, uma em cada Estado.

Segundo Fabiano Bellini, diretor da área de soluções em conectividade da Agora Telecom, as operadoras chegam à região com 100 megabits por segundo (Mbps) para distribuir aos clientes. Os provedores chegavam com sinal de 2 Mbps a 8 Mbps, no máximo, e o redistribuíam para cem usuários. “Cada um ficava com 20 kilobits, quase uma linha discada”, disse Bellini. Com o par de rádios, a velocidade pode atingir 236 Mbps.

Financiamento restrito e burocracia

Antes da nova rede, a OndaNet usava rádio com frequências livres e enlace de 5.8 gigahertz (GHz). Mas o sistema sofria muita interferência, até de telefone sem fio, e dispunha de pouca banda para transmissão. Agora, o provedor vende 2 Mbps a R$ 50 e 10 Mbps a R$ 119. “Conseguimos fazer planos parecidos com os dos grandes centros, mesmo com as dificuldades”, afirmou Gomes Filho. Em 2012, o preço era de R$ 50 por 1 Mbps. O provedor disse que entidades que representam o setor têm conseguido atrair mais atenção do governo, o que poderá se reverter em regras com melhores condições e preços de compartilhamento de rede no futuro.

Se para as grandes operadoras não desperta tanto interesse, para os pequenos provedores a região dá lucro, segundo Gomes Filho. A falta de apoio governamental, o financiamento restrito e o excesso de burocracia, porém, criam um cenário em que de cada dez provedores, sete são informais, disse o executivo.

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Negociação difícil para comprar link

O Agreste nordestino não escapa do processo sinuoso que permeia a negociação de capacidade de rede, comum nos grandes centros, entre os donos da infraestrutura e os potenciais compradores – operadoras e provedores de acesso à internet. Em parte das áreas de abrangência da OndaNet, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, atuam de duas a três operadoras por localidade. O diretor e sócio da OndaNet, Leonardo de Lima Gomes Filho, queixa-se das dificuldades de negociar com as teles. “Na Paraíba, só tem rede acessível da Intelig para comprar link.” Só que é uma rede problemática, às vezes vende, outras vezes, não. “Há dois anos a Intelig não instala nenhum circuito novo nessa rota.”

O governo chega a Campina Grande, mas cobra caro, segundo Gomes Filho. A Eletronet teria cobrado R$ 80 mil por mil megabytes para chegar a São Paulo. A Oi, segundo o provedor, não vende porque diz não ter disponibilidade. Quando pode vender, cobra mais de R$ 500 por megabyte. Quanto à Embratel, o empresário citou casos de provedores menores que negociam com dificuldade. Procurada pelo Valor, a Embratel informou que “não tem restrição técnica” para fornecer serviços e links em Campina Grande e região.

A Oi informou, em nota, que as empresas que solicitam serviços no atacado (com a finalidade de revender) “devem ser licenciadas pela Anatel e estar cadastradas na Entidade Supervisora de Ofertas de Atacado (Esoa). A negociação para maior parte dos produtos oferecidos no Atacado só pode ser feita pelo Sistema de Negociação de Ofertas de Atacado (SNOA)”. A tele informou que tem mais de 200 clientes no atacado, inclusive na Paraíba e no Rio Grande do Norte. “Nesses dois estados, a Oi tem grande capilaridade em virtude do atendimento ao governo do estado e a grandes clientes privados.”

A TIM Intelig informou, por nota, que investirá R$ 30 milhões em infraestrutura de rede apenas no estado da Paraíba neste ano, com expansão de 210 km de fibra óptica. Do total, serão 60 km em Campina Grande. No Rio Grande do Norte, a expansão de rede prevista é de 80 km com investimento de R$ 13 milhões.

A Telebras informou que tem infraestrutura em Campina Grande até o interior da Paraíba e Natal, seguindo pelo interior de Mossoró. Porém, ainda não passa pela área que vai de Patos a Acari. Onde está presente, a Telebras diz que cobra a partir de R$ 230 pela conexão mais IP. A Eletronet não respondeu ao pedido de entrevista.

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Ivone Santana, do Valor Econômico