O Marco Civil da Internet, conjunto de regras que vai balizar o funcionamento da rede no Brasil, enfim será votado pela Câmara Federal. Quase sete anos após a formulação da proposta, os deputados devem iniciar nesta semana em plenário os debates sobre o futuro da internet no País. “Chegou a hora de o Congresso mostrar a cara e fazer o seu trabalho, assumir o risco político, seja ele qual for”, disse ao Brasil Post um dos cabeças do projeto original, Ronaldo Lemos, advogado e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A versão que vai a votação pelos parlamentares foi apresentada pelo deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator da projeto, e traz diversas mudanças ao que Lemos propôs originalmente. Saiba os pontos mais polêmicos e o possível impacto de cada um deles, caso sejam aprovados ou derrubados:
Neutralidade da Rede
O relator manteve no texto do marco civil a neutralidade da rede, que garante a todos os internautas acessar qualquer tipo de conteúdo com a mesma velocidade e pagando o mesmo preço. O lobby das empresas de telecomunicações, no entanto, é forte e encontrou ressonância na base aliada do Congresso. As companhias têm interesse em maximizar os lucros ao oferecer uma maior diversidade de pacotes com velocidades, serviços e preços variados.
Segundo o relator, o PMDB divide o Congresso e está do lado das teles. Por isso, a neutralidade da rede pode ser rejeitada. Nesse cenário, impõem-se restrições de valores e de duração de acesso ao ambiente de inovação da web. “Se você não preserva a estrutura aberta da rede, essas mudanças tendem a ser para pior”, analisa o professor Ronaldo Lemos.
É a atual lógica de abertura, com experimentações e mash-ups, em meio à transferência e à exploração de conteúdos ilimitados, em sites, apps e vídeos, que fomenta o caráter inovador da internet.
Privacidade dos usuários
O projeto exige que qualquer empresa de conteúdo na internet preserve os dados de navegação dos usuários por pelo menos seis meses. Assim, todo site terá que guardar os registros de acesso relacionados a cada IP (identificação única do computador na internet).
O objetivo da medida é prevenir cibercrimes ao impor a sites, blogs e portais o controle das informações sobre o percurso do internauta – as páginas clicadas, os conteúdos visualizados, as imagens e os vídeos baixados.
Essa obrigação de preservar os dados implica dois sérios problemas: a dificuldade no armazenamento das informações e o maior risco de invasão de privacidade do internauta. “Do jeito que está, o marco acaba com o anonimato em grande medida e faz que seja muito fácil localizar quem é quem”, explica o professor Ronaldo Lemos.
Se por um lado o usuário que calunia, difama ou até comete fraudes pela internet poderá ser facilmente localizado, por outro, milhões de internautas que não estão envolvidos em atividades ilegais terão os dados armazenados e preservados. “Se vão guardar os logs de todo mundo, [as empresas] terão o raio-X da vida online da pessoa, com risco do uso político e do uso comercial desses dados”, teme Lemos.
A outra complicação é a forma como essas informações vão ser arquivadas. “Como são dados sensíveis, o padrão de armazenamento deles terá que ser de segurança elevada”, ressalta o professor da UERJ. Esse cuidado acarreta um custo maior para as empresas, que teriam de viabilizar aparatos bem seguros, como salas-cofres para abrigar os arquivos de logs e conexões dos internautas.
A proteção reforçada visaria a evitar o acesso de qualquer pessoa aos dados dos usuários. Entretanto, a maioria dos sites e blogs – que são pequenos – não teria condições financeiras de manter essas estruturas de segurança.
Data centers no Brasil
A descoberta de que a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos espionou a presidente Dilma Rousseff e assessores dela, em e-mails e ligações, provocou uma reação imediata do Palácio do Planalto. No projeto do marco civil, foi incluída aobrigatoriedade de instalação dos data centers de todas as empresas de internet no Brasil.
O intuito do governo é submeter às leis brasileiras o controle e trânsito de informações dos internautas daqui e, portanto, assegurar a privacidade deles. Assim, empresas como Google e Facebook teriam que trazer para o País as suas centrais de dados.
“O impacto para a privacidade é basicamente nulo porque o dado não fica armazenado no data center”, opina Ronaldo Lemos. “O dado tem que circular, ser mandado para o Brasil, Estados Unidos e Europa, e nada impede que ele seja espionado no caminho.”
O principal entrave ao desejo do governo é a ausência de infraestrutura no País para receber os data centers das companhias estrangeiras. “Colocar uma central dessas em um lugar onde a infraestrutura não é boa gera congestionamento, serviços ruins, velocidades ruins”, avalia o professor.
Para o autor da proposta original do marco civil, atrair data centers estrangeiros para o Brasil é uma boa ideia. Mas, antes de tudo, é necessário investir na ampliação da infraestrutura de rede e na melhoria da conectividade local.
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Diego Iraheta, do Brasil Post