Depois de quase quatro horas de uma tensa reunião, o governo fez mais um recuo e aceitou negociar mudança na redação do artigo que trata da neutralidade, no ponto que trata de edição de decreto presidencial sobre o assunto. A alteração foi sugerida pelo PMDB e servirá a dois objetivos: viabilizar um acordo para votação do projeto na próxima terça-feira e permitir ao líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), mudar a posição da bancada e votar a favor do Marco Civil da Internet. O presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), reiterou sua posição de que a votação só ocorrerá na próxima terça-feira (26/03).
No capítulo III, o projeto de Marco Civil determina que “o responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinções por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”. No entanto, o parágrafo seguinte abre espaço para exceções, que devem ser por “requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações” ou para “priorização a serviços de emergência”, ambos definidos por decreto presidencial.
A ideia é retirar a palavra decreto do texto, mas afirmando que a regulamentação será feita como determina o artigo 84, inciso IV da Constituição, que fala justamente que a presidente da República tem poder de editar decreto para “fiel cumprimento da lei”.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, confirmou que está sendo negociada uma nova redação para o artigo da neutralidade. O ministro disse que, de qualquer forma, ficará claro que o presidente da República tem o poder de editar o decreto. O governo já tinha recuado na questão dos datacenters e anunciou esta posição na reunião. “Estamos negociando a melhor forma de redação. É uma questão redacional apenas, porque vai remeter ao artigo 84 da Constituição. Por isso, não importa se o texto vai ter ou não a palavra decreto. Mas estamos fechando a redação”, disse Cardozo ao Globo.
A responsabilização de provedores
O líder Eduardo Cunha admitiu que a proposta foi um “avanço”. Na verdade, foi Cunha quem apresentou a saída política, e o ministro confirmou. Já o líder Eduardo Cunha disse que isso dá mais tranquilidade para se votar, porque o texto antigo apenas falava em decreto, o que dava amplos poderes ao governo na elaboração do texto. Agora, segundo ele, fica claro que o decreto terá que se ater fielmente aos pontos da lei. O artigo 84 da Constituição diz que: “Compete privativamente ao presidente da República: sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.” Além disso, será ouvida a Anatel e o Comitê Gestor de Internet para a elaboração do decreto. “Nessa parte é um avanço. A preocupação maior é o decreto fazer coisas que não estão previstas na lei. É diferente de um decreto autônomo que possa regulamentar qualquer coisa. Agora, você vai ter um cumprimento do que está na Constituição. Eles vão tirar a palavra decreto e vão colocar regulamentação para fiel execução da lei nos termos do artigo 84 da Constituição”, disse Cunha.
O líder do governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que se construiu uma saída política e que isso deve permitir o acordo com o PMDB. “Está se tirando o símbolo de uma batalha de Itararé (ao se retirar a expressão decreto). Se a Constituição garante a regulamentação, não creio que alguém iria querer atropelar a Constituição”, disse Chinaglia.
A reunião começou muito tensa. Cobrada pelos líderes, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti – que na véspera desautorizou Henrique e disse que a votação seria hoje – disse que não teve a intenção de afrontar a Câmara e que foi mal interpretada. “Estou me sentindo um bode (expiatório) e um bode malcheiroso”, disse Ideli, segundo relatos.
Cardozo disse que o mal-estar foi superado. “Foi tudo equacionado”, disse Cardozo.
Na mesma linha, o presidente Henrique Alves disse que a discussão do Marco Civil começa nesta quarta-feira, mas que a votação será apenas na terça. Para ele, não interessa o clima de guerra. “A votação será na terça. A reunião foi muito boa. O clima de guerra não interessa a ninguém”, disse Henrique Alves.
O governo recuou nos dois pontos principais, mas ainda há problema no artigo 20, que trata de responsabilização de provedores por pessoas incomodadas com os conteúdos publicados na rede.
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Cristiane Jungblut, do Globo