Prestes a completar seu primeiro mandato como deputado federal, Alessandro Molon (PT-RJ) pode obter hoje sua maior conquista na Câmara: a aprovação do Marco Civil da Internet. Desde 2011, quando a proposta foi enviada ao Congresso pelo governo, Molon é o responsável pela relatoria da matéria. Ao longo desses mais de três anos, foram feitas inúmeras alterações no texto original e houve longas negociações para a proposta, enfim, chegar à votação prevista para a noite desta terça-feira.
Em entrevista para o Globo, Molon explica as principais mudanças que o marco trará para os internautas e minimiza a concessão feita pelo governo nas últimas semanas, quando abriu mão que as grandes multinacionais da rede, como Google e Facebook, instalassem servidores no país. Para o deputado, o fundamental é o fato de ter sido mantida a chamada neutralidade de rede – que impede que os provedores alterem a velocidade de acesso de acordo com o conteúdo – e a preservação da liberdade de expressão e da privacidade dos internautas.
Internautas escolherão o que acessar, quando e como
O que vai mudar para o usuário com a aprovação do Marco Civil da Internet?
Alessandro Molon – O Marco Civil traz muitos avanços para os internautas brasileiros. Em primeiro lugar, fica reforçada a liberdade de expressão dos internautas brasileiros na internet. Há uma série de medidas que dão mais força à palavra e à opinião de cada internauta na internet, protegendo essa liberdade de expressão. Em segundo lugar, o Marco Civil protege de maneira muito forte a privacidade dos internautas. Hoje, quase não há regras de proteção da privacidade, e a navegação dos internautas, sem que ele saiba, lamentavelmente tem sido gravada, analisada e vendida, violando o seu direito de navegar sem que ninguém saiba o que ele lê e o que ele acessa na internet. O Marco Civil vai trazer uma série de garantias e proteções à privacidade do internauta brasileiro. E por fim, a garantia da neutralidade da rede: ou seja, a garantia de que o usuário vai poder acessar sem que ninguém escolha por ele o que ele quiser. Sem que a velocidade de acesso dele a determinado conteúdo seja reduzida ou seja aumentada em função das preferências do seu provedor de conexão. Tudo tem que ser tratado de maneira isonômica, igualitária, para que a liberdade de escolha do usuário seja protegida.
Hoje essa neutralidade não é assegurada?
A.M. – Hoje no Brasil a gente tem neutralidade graças à força de uma resolução. Nos Estados Unidos era assim também, só que a resolução foi derrubada na Justiça norte-americana com o argumento de que ela tem que estar garantida em lei. Aqui no Brasil nós estamos dando um passo que dá muita força á neutralidade da rede, colocando na lei, o Marco Civil da Internet, a garantia dessa neutralidade. Muita gente tem dúvida se a velocidade de acesso às informações não cai, por exemplo, quando o internauta acessa um vídeo. Muita gente desconfia que isso aconteça. Isso passa a ser ilegal com a aprovação do Marco Civil da internet. O Marco Civil não vai prejudicar contratos celebrados, atos jurídicos perfeitos, mas o Marco Civil vai garantir aos internautas que serão eles que escolherão o que acessar, quando acessar e como acessar sem que ninguém interfira nessa sua liberdade de escolha.
Uma vitória da sociedade e do governo brasileiro
O artigo 20 é último ponto polêmico. Qual a posição do senhor?
A.M. – Nós defendemos fortemente o artigo 20 como todo o resto do marco civil da internet. E ele é fundamental por uma razão muito simples: é ele que garante a liberdade de expressão. Ouvi dizer que partidos de oposição vão tentar derrubar o artigo 20. Isso seria um ato contrário à liberdade de expressão na internet, um ato contrário ao combate à censura. Se o artigo 20 for derrubado, não tenham dúvidas os internautas brasileiros de que quem o derrubar estará contribuindo para a censura na internet. Por isso nós não aceitamos negociar o artigo 20.
Por que ele é fundamental?
A.M. – O artigo 20 estabelece que não cabe ao provedor de conteúdo escolher qual conteúdo fica no ar ou sai do ar. Não deve ser obrigação dele decidir quais manifestações dos internautas são legais ou ilegais, se são livre opinião ou se são, por exemplo, algum ataque a quem quer que seja. Isso é tarefa da Justiça. À Justiça é que cabe dizer o que é legal ou ilegal. E é isso que o artigo 20 garante. Se ele for retirado, vai se fortalecer uma prática de censura privada no Brasil. Ou seja, se passar uma emenda que eu vi ser preparada por um partido de oposição, se um provedor de conteúdo – uma rede social, por exemplo – receber uma notificação de alguém que se sinta incomodado por qualquer comentário de um internauta e não retirar esse conteúdo passará a responder por ele. Com isso, é evidente que as redes sociais vão preferir retirar todo conteúdo que seja alvo de notificações e a palavra do internauta não vai permanecer livre na internet. Vai acabar sendo censurada, numa forma de censura privada.
A presidente Dilma havia colocado a obrigatoriedade de servidores no Brasil como uma resposta à espionagem americana. Esse foi o ponto mais importante em que o governo aceitou ceder. Com isso, a presidente sai enfraquecida nesse processo e o Marco acaba sendo mais da sociedade civil?
A.M. – O Marco Civil sempre foi um projeto da sociedade civil brasileira. Ele foi preparado e apresentado pelo governo após uma ampla consulta e participação, que inclusive ontem foi mencionada pelo criador da Web, o Tim Berners-Lee, que fez referência a esse processo colaborativo, participativo que deu origem ao Marco Civil. Se o Marco Civil for aprovado da forma que está, o governo sai muito fortalecido também com sua aprovação, porque vai mostrar que é um governo sensível àquilo que a população quer. A aprovação do Marco Civil será uma vitória da sociedade brasileira e também do governo brasileiro, que ouviu e apresentou ao Congresso o que a sociedade pediu.
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Paulo Celso Pereira, do Globo