O Brasil de 2014 tem um pé no século passado. Esse paradoxo do atraso se materializa no Marco Civil da Internet, já aprovado pela Câmara e em análise no Senado. O lado moderno impõe a neutralidade da rede. A Netflix não poderá fazer um acordo com uma telefônica para seu sinal ser acessado de maneira mais veloz do que a de um serviço concorrente de vídeos pela web.
Até aí, aplausos para o governo e para o Congresso. Mas o texto do Marco Civil da Internet tem mais do que isso. Para começar, uma espécie de novilíngua ao descrever o ato de censurar. Em vez de dizer que um conteúdo da internet será retirado de circulação, censurado, a lei usa a expressão “tornar indisponível” ou “indisponibilização de conteúdo”.
Abusos devem ser punidos. Claro. Ninguém merece ficar desguarnecido se for alvo de injúria, infâmia ou difamação. Também é defensável a “indisponibilização de cenas de nudez ou atos sexuais” quando a privacidade de alguém é desrespeitada.
Sanha persecutória
Ocorre que numa democracia essa “indisponibilização” tem de ter limites. Como está, o Marco Civil é quase uma cartilha detalhada ensinando as mais variadas formas de “tornar indisponível o conteúdo” daquilo que alguém considerar ofensivo.
Há um pouco de patético nessa pretensão. Digamos que alguém se irrite com uma reportagem sobre corrupção numa estatal. Que seja o Metrô de São Paulo ou a Petrobras. O texto se espalha em comentário nas redes sociais. De que adianta “tornar indisponível” esse conteúdo se alguém criar um site na Suazilândia e divulgar os mesmos dados?
Já há hoje uma enxurrada de ações na Justiça exigindo a censura de material na internet. Com o novo Marco Civil, essa sanha persecutória aumentará. Abusos, por óbvio, devem ser punidos. Mas acelerar o mecanismo para “indisponibilizar” qualquer comentário é algo incompatível com uma democracia madura. Resta ao Senado corrigir essa estripulia.
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Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo